Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 21 de dezembro de 2013

Do mundo nada se leva.


Um conto de Natal.
Do mundo nada se leva.

Cabecinha boa de menino triste,
De menino triste que sofre sozinho,
Que sozinho sofre, e resiste...

      Valentine seguia pela rua deserta. Era dia ainda e ela não tinha medo, pois conhecia a todos no bairro onde morava. Tentou a casa de Marly e ela não estava. Era sua sub-monitora. Sentia um vazio tremendo. Não gostava de férias. O grupo Escoteiro interrompia suas atividades e ela ficava sem saber o que fazer. Os chefes precisavam mudar de rumo, passear com suas famílias e ter uma folga merecida. Valentine só pensava em escotismo. Sempre foi boa filha e boa estudante, mas quanto tempo tinha que entrou e amou? Acreditava ser mais de nove anos. Lobinha, escoteira e agora guia. Porque não dar liberdade às patrulhas para fazerem atividades sem os chefes? Valentine caminhava devagar. Era véspera de natal e sua mãe em viagem pela firma prometera chegar no dia vinte e quatro sem falta. Sua avó materna era quem tomava conta. Valentine se acostumara e sabia que sua Avó tomava conta dela como se fosse sua mãe. Valentine ouviu um choro de uma criança recém-nascida. De onde vinha? Viu do outro lado da rua uma pequena cesta e correu atravessando a rua sem olhar. O que viu quase perdeu a respiração. Um lindo bebê de olhos azuis a sorrir para ela.

Cabecinha boa de menino ausente,
Que de sofrer tanto se fez pensativo,
E não sabe mais o que sente...

         Pegou a cestinha e sorria de alegria. Mas o que fazer? Ir à delegacia? Ela estava tão sozinha em sua casa, e muitas das amigas viajando que pensou: Sempre sonhou em ter um bebê porque não este? Valentine tomou uma decisão não condizente com uma Guia Escoteira. Sem pensar levou a criança para sua casa. Tinha que escondê-la da sua Avó e de algumas visitas que costumavam aparecer. Entrou e foi direito para seu quarto. Uma parte da cama ela colocou o bebezinho. Correu a cozinha e fez uma mamadeira. Ela sabia como fazer. Tirou a especialidade de Babá. Ninguém notou nem mesmo quando de madrugada José chorou. Ela o chamava de José quem sabe para homenagear o esposo da virgem Maria. Assim como Jesus nasceu em uma manjedoura por um milagre, ela começou a acreditar que aquela criança seria seu milagre. Dois dias seguidos e ninguém desconfiou. Sua Avó era bem velhinha e meio surda. Isto ajudou muito nos planos de Valentine. Marly chegou de supetão ao seu quarto. Eram amigas e ela tinha plena liberdade de entrar e sair quando quisesse. Marly se assustou com a criança. Valentine explicou. – Impossível Valentine. Você sabe disto. Uma mentira não dura para sempre e você é uma escoteira tem honra e ética. Valentine chorava. Não queria perder o bebê. Mas qual a saída?

Cabecinha boa de menino mudo,
Que não teve nada, que não pediu nada,
Pelo medo de perder tudo.

     Pediu a sua amiga Marly que não contasse nada para ninguém. Que ela esperasse até o natal e ela iria levá-lo a delegacia. Seriam apenas mais três dias. Marly mais nova que ela tinha a cabeça no lugar. Sabia que era errado o que ela queria fazer e seria errado ela esconder também. Mas adorava sua amiga viu em seus olhos pequenos lágrimas que desciam e ela teve pena. Virou cumplice. Será que a Chefe Noêmia iria entender? Ela falava tanto da Lei Escoteira! Agora elas eram duas a cuidar do menino José. Sem perceber Marly começou a amar aquela criança. As noites ela dormia pensando como fazer para as duas ficarem com ela para sempre. Sabia que em sua casa era impossível. Nonô seu irmão mais novo “fuçava” em tudo. Ele logo iria descobrir. Onde então? Não vislumbrou nenhum local para criar a criança. Adotar? Mas elas eram tão novas! Valentine com desesseis e ela com quinze. Contar para o Padre Zózimo? Ele nunca iria entender. Também nenhum Chefe do grupo iria compreender. Constance, Joelma, Mary e Nair da patrulha não poderiam saber. Correriam para contar as suas mães e o segredo iria para o brejo.

Cabecinha boa de menino santo,
Que do alto se inclina sobre a água do mundo
Para mirar seu desencanto.

          Era o dia de Natal. Dia que elas se comprometeram ser o ultimo a viver com o menino José. Sabiam que no dia seguinte seria um martírio devolvê-lo a delegacia. Valentine sabia que ele seria levado ao Juizado e eles o encaminhariam para uma Vara da Infância e Juventude. Alguém um dia iria adotá-lo. Não poderia ser elas? Mas com esta idade? Sua mãe nunca iria concordar em entrar com um pedido de adoção. Valentine passou a pior véspera do natal de sua vida. Chorou o dia inteiro. Corria a dar tudo para o Bebê José. Teve hora que riu de si mesma pelos cuidados e ria mais ainda quando Marly chegava e queria disputar com ela os cuidados com o menino José. Valentine deixou o menino com Marly e foi comprar leite na padaria. Onde tinha encontrado a cestinha com o bebê ela viu uma mocinha sentada na calçada e chorando. Perguntou por que chorava e ela respondeu – Deixei meu filho recém-nascido aqui. O abandonei em uma hora de desespero. Agora me arrependi. Não sei quem o levou e onde ele foi parar. Valentine pegou sua mão, pare de chorar moça, seu filho está comigo. Venha, vamos a minha casa e você poderá ver que o tratamos como se fosse um filho nosso.

Para ver passar numa onda lenta e fria,
A estrela perdida da felicidade
Que soube que não possuiria.

          Não há mais para contar. Mirtes a mãe de José foi com ela a sua casa e passou um natal com todos eles como nunca passou em sua vida. Era de família rica e sabia que eles não iriam entender a gravidez. Mas ela resolveu enfrentar a tudo e a todos. A mãe de Valentine chegou e a festa foi mais linda ainda. No dia seguinte Mirtes levou José para sempre. Deixou o endereço para um dia se quiserem visitá-lo. Era em uma cidade não muito longe. Insistiu para que elas fossem madrinhas. Valentine e Marly não paravam de chorar. Madrinhas? Seria uma honra! Quando o ônibus partiu Valentine e Marly abraçaram-se chorando. Elas sabiam que foi encontrada a melhor solução. Fizeram questão de contar para todos o que fizeram. Não houve recriminação, mas sua mãe a orientou que não deviam ter feito o que fizeram. Do mundo nada se leva e devemos perceber que os verdadeiros valores da vida devem ser feitos dentro da lei e da ordem. Isto antes que seja tarde demais...


Os versos são de autoria de Cecília Meireles.

Nenhum comentário:

Postar um comentário