Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

terça-feira, 1 de abril de 2014

Lomanto um Almoxarife&intendente para ninguém colocar defeito.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Lomanto um Almoxarife&intendente para ninguém colocar defeito.

            Vinte minutos de reunião de patrulha. Desta vez na sede escoteira. Lomanto fez um sinal que queria a palavra. Olhamos para ele sutilmente. Não podíamos deixar transparecer nada. Se ele desconfiasse do que pensávamos ia embora imediatamente.  Lomanto era único. Muitos que não o conheciam achavam que ele era mudo. Quase não falava. Naquela tarde sentamos em nossos bancos de madeira, que cada um fez o seu com caixotes doados pelo Senhor Joventino dono do Armazém das Flores. – Está faltando a Faca de cabo de osso! Disse – Ninguém falou nada. Nem devíamos falar. Se ele começou que terminasse. Demorou vinte minutos para falar esta frase. Seis minutos depois completou – Alguém sumiu com ela no Acampamento na semana passada no Riacho Seco. Não falou mais nada daí em diante. Nonato o Monitor esperou sua hora de falar. – Você não anotou quem a levou? Lomanto olhou para Nonato com os olhos em fogo! – Ninguém disse nada. Quinze minutos depois ele disse – Vou lá domingo, preciso de alguém para ir comigo!

           Eu conheci muitos almoxarifes, mas igual à Lomanto nunca vi. Era perfeito. Tudo muito bem anotado. Fazia cópias e entregava a cada um da patrulha, em cima estava escrito – “Você também é responsável”. Se quisesse um facão ele entregava e você tinha de assinar. O facão brilhava o fio perfeito, o cabo preso com tiras plásticas para não quebrar. Nossa caixa de intendência podia não ser a melhor da tropa, mas ninguém tinha uma superior. A caixa de primeiros socorros era perfeita. A carrocinha sempre limpa e engraxada. Nosso material fazia gosto e mesmo com a mudez dele nos sabíamos que ele era especial. Agora a faca de cabo de osso sumiu. Para ele era como se tivessem tirado um pedaço de sua carne. Ninguém entendeu como ele não anotou. Ele nada disse. Aprendemos com ele a ter responsabilidade com nossos encargos na patrulha. Se ele levava a sério nós também tínhamos a obrigação de ser sérios. Bem nosso cozinheiro era perfeito, nosso Construtor de Pioneirias&tesoureiro era demais. Jonatah o treinador de jogos&bombeirolenhador sabia o que fazer. Todos nos sabíamos que devíamos ter responsabilidade com nossos cargos, pois a patrulha dependia de nós.

        Três frases ditas por Lomanto e uma do Nonato o Monitor e a reunião terminou. Sempre era assim. Ao levantarmos após todos assinarem a ata Lomanto me olhou. Eu sabia. Ele também sabia que eu iria com ele atrás da faca de cabo de osso. Se alguém disse que compraria uma nova era briga na certa. – Responsabilidade é tomar conta de bens de todos. Se alguém não é responsável não merece estar na patrulha. Este era um dizer dele e eu sabia de cor. Combinamos para domingo e partimos. Não era perto, quase três horas de bicicleta. O tempo estava bom e não houve contratempos até o Riacho Seco. Procuramos e nada. Lomanto calado como sempre. Um pouco mais acima avistamos dois homens. Estavam abrindo uma novilha morta. O serviço quase terminado. Era comum naquela época açougueiros comprarem em fazendas e ali mesmo destrincharem. Mas Lomanto não tirava os olhos do “baixinho” ele estava com a faca de cabo de osso. Eu vi e reconheci. Eram dois homens mal encarados. Um deles foi até um remanso do riacho e o outro foi atrás. Só vi Lomanto voando como o vento em sua bicicleta, passar pela caminhonete deles, pegar a faca e sumir dali. Fiz o mesmo. Ouvi gritos de pega ladrão.

        Chegamos à sede espavoridos e cansados. Lomanto ficou mais de meia hora lavando e secando a faca. Depois pegou uma pequena lima e afiou o fio da faca. Era como se a faca fosse o filho dele. Guardou. Olhou para mim, colocou sua mão em mão ombro e mexeu com a cabeça como a dizer – Obrigado. No sábado a reunião se desenvolvia normalmente. O Chefe Miraldino atendeu dois homens que o procuraram. Reconheci logo, eram os dois açougueiros. A tropa foi formada – O Chefe perguntou quem pegou uma faca dos açougueiros. Lomanto deu um passo à frente – Nunca na vida vi Lomanto falando tanto. Acho que o que falou valeu por todo ano – Ele foi até a presença dos açougueiros. – Esta faca é da minha patrulha. Ela tem uma marca, tem um L de Patrulha Lobo no cabo de osso. Posso mostrar. Não é de vocês. Não sei onde a acharam, mas não vou devolver. Nem por ordem do Chefe!

          Nonato o Monitor se aproximou. – Chefe a faca é nossa não existe a menor dúvida. O Chefe olhou para os açougueiros. – Um deles disse – Se pagar pela faca pode ficar com ela. O Chefe Miraldino era sargento da Policia Militar – ele disse – Vamos fazer o seguinte, vocês me mostram o recebo da compra da vaca que mataram e eu pago a faca! Os dois açougueiros não disseram nada. Saíram resmungando e reclamando que os Escoteiros são irresponsáveis. – Eu sabia que estava havendo muito roubo de gado. Era comum alguns açougueiros desonestos fazerem isto. Nunca mais os vi. Lomanto passou quatro meses sem dizer uma única palavra. Não precisava. Era um amigão. Um Escoteiro dos bons, um Escoteiro que não precisa falar, mas que sabe ser responsável com o que pertence a todos. Para isto daria sua vida para proteger um bem comum.


         Lomanto sempre nos deu exemplos de como se procede um patrulheiro e sua responsabilidade com a patrulha. Se cada um faz sua parte a patrulha é uma família feliz. Éramos pobres, quando precisávamos de algum item na nossa intendência era uma luta. O que conseguíamos entregávamos a Lomanto de olhos fechados. Afinal precisávamos acampar e nada melhor que um bom facão, uma boa machadinha, umas facas mateiras para limpar nossos peixes, cortar tomates, mamões, e tantas outras coisas. Sabíamos que podíamos confiar nele e em todos da patrulha. Sabíamos que isto era um dos melhores aprendizados que nós Escoteiros podíamos ter. Manter o bem comum em prol da coletividade foi o que sempre aprendemos. Fico pensando em Lomanto adulto, morando em uma rua que é de todos, perto de uma praça que é de todos como ele estaria procedendo. Como sempre. O bem comum não é meu nem seu, é de todos nós! 

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