Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Escotismo uma “Escola da Vida”.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Escotismo uma “Escola da Vida”.

- Quando li a obra do sociólogo Laszio Nagy, fiquei positivamente  surpreendido com várias indicações da influência africana e também indiana no escotismo através do seu criador, “BP”, codinome carinhoso dado a Robert Baden-Powell. Também impressionou, conforme avançava na leitura do 250 milhões de escoteiros, publicado pela União dos Escoteiros do Brasil, em 1987, a perspectiva não autoritária da proposta educacional Escotista – o que até contradiz a cultura militar e imperialista britânica onde estava inserido “BP” e a exteriorização (que pode ser interpretada como) para-bélica do movimento, através de certos elementos, como o uso de uniformes, distintivos, cultos cívicos, denominações como “patrulha”, “tropa” e outras caracterizações e atividades que parecem inspiradas nas tradições castrenses e no treinamento de cadetes de forças armadas.

Mas foi exatamente o jovem general Baden-Powell, como anota Laszio, em sua personalidade pragmática, tolerante, liberal, artística (era desenhista, escultor, ator de teatro, etc.) e, sobretudo, autocrítica, de um humor compassivo, de sutil ironia, quem gestou um movimento juvenil além-fronteiras e antidogmático – embora sempre solapado por “seguidores” e dissidentes que compreenderam (e ainda há quem compreenda) o escotismo como algo autoritário e ossificado. E, então, da ideia “baden-powelliana” de que atividades coletivas ao ar-livre seriam benéficas a todos os jovens, em especial aos “urbanizados”, se transformou, em muitos casos, em um disciplinamento reacionário, pela submissão, ideologicamente conservador.

                        Na autobiografia de “BP”, Lições da Escola da Vida, publicada pela Editora Escoteira brasileira, em 1986, há uma ilustração paradigmática feita pelo próprio “Pai do Escotismo”: enquanto cadetes empertigados marcham com passos exagerados sob um comandante que vocifera a suas costas – uma caricatura zombeteira de típica postura militarista –, jovens escoteiros agachados em frente ao seu fogão improvisado, cozinham seus alimentos olhando de soslaio, um tanto espantados, aquela manifestação de formalismo rígido, violento, machesco. Na legenda, lê-se: “O escotismo não tem NADA de comum com uma escola de soldados”. No mesmo livro, “BP” conta que vários elementos associados ao escotismo foram criados não pra reproduzir a tal “escola de soldados”, e sim como estratégias de agregação dos jovens, caso da vestimenta típica: “O uniforme é uma grande atração para o menino e porque se assemelha ao traje dos mateiros [ou seja, homens que se embreiam em selvas], leva-o em imaginação a sentir-se ligado a esses heróis da fronteira [civilizacional], que tanto o fascinam; favorece também a fraternidade, uma vez que, adotado por todos, nivela os sinais exteriores das diferenças de classe e origem; é simples e higiênico (o que hoje em dia está em moda [primeiros anos do século XX]) e se aproxima do traje de nossos ancestrais [os antigos bretões, terra de ‘BP’].”.

                      Ao final do clássico manual Escotismo para Rapazes, editado pela mesma Editora Escoteira, em 1975, está à mensagem que “BP”, já quase encerrando sua “jornada pela vida”, quis deixar aos jovens escotistas. Ao cabo dessa “carta derradeira”, onde ele se compara ao capitão Gancho, o vilão ao mesmo tempo cruel e romântico da história de Peter Pan, referindo-se ao chefe pirata que estava sempre a fazer seu discurso de despedida a seus marujos marginais, “temendo que, ao chegar a hora de morrer, não tivesse tempo, talvez, de pronunciá-lo” – demonstrando assim que sua veia auto irônica. De grande bom-humor estava intacta em seus mais de 80 anos –, Baden-Powell não assina este documento histórico como “general”, nem mesmo “chefe” ou algo que o valha, mas, singela e significativamente, como “do amigo”. Não há exortações pela manutenção de alguma disciplina rígida, por algum tipo de autoflagelo, de educação pela dor e obediência cega, mas o incentivo à “curtição da vida”, pelo saber, em suas próprias palavras, “saborear a vida”, sendo felizes da maneira mais fundamental e duradoura, ou seja, “proporcionando felicidades aos outros” – a todos, à humanidade e ao planeta e universo miraculosos que nos contém, sendo uma grande estupidez qualquer tipo de soberba, de “adestramento à guerra”, que, em suma, é sempre uma agressão, uma agressividade a outros seres.

No escotismo, seguindo-se o espírito de “BP”, o lema “Sempre Alerta” ou “Esteja Preparado” é em relação à paz, à fraternidade e respeito às pessoas em todas as suas dimensões individuais e grupais. O sucesso do escotismo entre os jovens, segundo Laszio, comentando os anos fundamentais do escotismo deriva-se de ser um processo educativo lúdico, do jogo, da integração ao ambiente natural. “Os primeiros escoteiros descobriram o prazer do auto-desenvolvimento e da autoeducação, sem punições e outras limitações normais impostas por rígidas convenções sociais.” “A ideia de servir, posta em prática pela procura de fazer uma boa obra, diariamente, tornou-se uma forma de vida”. Era um mundo à parte, da disciplina severa e de ordens incontestadas, emitidas por rigorosos mestre, ou pais. Foram os próprios jovens, com seu comprometimento e entusiasmo, que representaram a maior força do Movimento. Eles foram atraídos a uma forma de vida que desconheciam na escola, em casa ou a igreja, e o compromisso por eles espontaneamente aceitos, como o famoso código de honra escoteiro, foi um elemento inestimável do Ativo [aspectos positivos do movimento]. Um modelo tinha sido estabelecido, que serviria, para sempre, como um princípio diretor, a despeito de mudanças estruturais e organizacionais inevitáveis através dos anos. (...) as dificuldades e problemas foram causados por adultos e não por jovens. A folha de Balanço, portanto, não estava isenta de Passivo.

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