O último adeus!
(Baseado
no conto “A Felicidade é feita de doces momentos”, lançado no blog historias
escoteiras).
Estou
aqui, como sempre faço todas as tardes, sentado em um banquinho que fiz e que
eles disseram ser uma pioneiria, na volta do rio das flores, a espera deles.
Sei que não virão, mas sonho um dia ver todos eles, cantando, brincando naquele
ônibus colorido. Quando penso em tudo que aconteceu, meus olhos se enchem de
lágrimas. Foram os dias mais lindos da minha infância. Dias que nunca, mas nunca
mais vou esquecer. Quatro dias de felicidade!
Morava em
uma pequena casa de pau a pique, próximo ao Rio das Flores. Meu pai trabalhava
na fazenda do Senhor Coronel Alcebíades, e tínhamos uma casinha pequena, de
adobe. Éramos quatro. Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão de três anos. Uma
família feliz. Toda manhã ia para a escola na fazenda Rancho Fundo do Coronel,
onde tinha a única escola da redondeza. Eram quatro quilômetros que eu fazia
correndo. Ajudava meu pai na lida da capina e a tarde nadava no rio. Diziam que
nadava como um peixe.
Numa
quarta feira vi um ônibus colorido, cheio de cantorias que se dirigia a fazenda
do coronel. Cortei caminho e do alto da Morada vi dois homens de calça curta e
chapelão conversando com o Coronel. Ele fez sinal para mim e disse que levassem
eles até A várzea, perto do rio e do bambuzal. Não falou mais nada. Entrei no ônibus. Todas as crianças da minha idade, rindo,
brincando me dando um tal de Sempre Alerta.
Estava com
vergonha deles e fiquei em pé bem na frente, mas olhando todos de rabo de olho.
Chegamos, eles desceram. Juntaram a tralha e ficaram esperando a chamada. Logo
eles fizeram um meio circulo próximo a um pé de amora, o tal do
"Chefe" Escoteiro passou uma cordinha, e colocaram a bandeira do
Brasil. Fiquei de longe olhando. Meus olhos estavam fixos na meninada. Eles
corriam aqui e ali. Cada turminha fez um cercado, armaram barracas e foram
cortar bambus.
Olhei o
sol e vi que mamãe estaria preocupada. Corri até em casa e contei as noticias.
Pedi a ela e o papai se deixavam eu ficar lá olhando. Meus pais nunca ralharam
comigo. Almocei correndo um prato de abobora com peixe frito. Voltei ao lugar
que eles estavam. Várias barracas, e eles construíram alguma coisa que não
entendi e a fumaceira pegou fogo em todos os cercadinhos deles. O sol já se
pondo e foram tomar banho no rio. Um deles tentou atravessar. Começou a fazer
sinais. Corri lá. Pulei de roupa e tudo. Era bom nadador apesar dos meus doze
anos.
Tirei-o da
água. Os chefes começaram a beijar e ele e voltou a respirar. Agradeceram-me.
Bateram uma palma esquisita. Me chamaram de herói. Disseram que se quisesse
ficar em uma Patrulha era só escolher. Nem sabia o que era isso, mas um
loirinho me fez um sinal e fui. Disseram que eram os Touros. Dei risada.
Aqueles fracotes Touros? Mas foi bom. Me ensinaram a dar sempre alerta, a
gritar o tal grito da Patrulha, a entender os sinais do "Chefe"
Escoteiro para formatura.
Durante os
quatro dias eu brinquei com eles. Corremos na mata. Pulamos a cerca do Boi
Lamego, fomos até a subida do Catatáu. Mostrei a eles o canto do sabiá, do
pássaro preto, mostrei como fazer o tatú sair da toca. Eles me ensinaram nós e
quiseram ensinar sinais de pistas. Dei risadas. Nunca iriam pegar uma seriema
contra o vento.
Quatro
dias maravilhosos. Comi a comida deles, ruim à beça. Sem sal. Mas eu ria e eles
riam. Um dia cozinhei para eles. Gostaram. Até o "Chefe" Escoteiro
veio tirar um sarro. Um deles deu dor de barriga, levei para ele a fruta do
pastor. Chupou a fruta e sarou. No ultimo dia fizeram um fogo. Cantaram,
gritaram, bateram palmas, contaram causos, fizeram teatrinho e depois em volta
da fogueira cantaram uma linda canção que só guardei uma parte. “Não é mais que
um até logo, não é mais que um breve adeus”.
No ultimo
dia desmontaram tudo. Fizeram uma limpeza. Na bandeira o "Chefe"
Escoteiro deles me chamou. Dissera que eu era um Escoteiro honorário. Mandou-me
ficar durinho, e fiz o sinal deles. Me fizeram repetir a promessa deles.
Prometo pela minha honra... Foi lindo. Foi demais. Depois ele me colocou o
lenço deles. Chorei. Abraçaram-me. Chorei. Deram os gritos que chamavam de
Patrulha. Chorei.
Disseram-me
Adeus e partiram. Eu chorava. Entraram no ônibus. Eu fiquei ali em pé, ao lado
do mastro de bandeira como eles chamavam. O ônibus virou a curva do rio
buzinando. Um silêncio atroz. Chorava. Chorava. A tarde veio. Não arredei o pé.
Não podia sair dali. Via todos eles cantando, brincando e me abraçando. Se
saísse toda essa ilusão iria desaparecer. A noite chegou de mansinho. O orvalho
caindo. Eu chorando. Não parava de chorar. Queria eles de volta, mas sabia que
isso não ia acontecer.
Meus pais
chegaram e me levaram. Não queria ir. Mas não podia ficar ali toda a noite. O
dia amanheceu. Como sempre voltei a minha rotina. Escola, trabalhar na roça com
meu pai e as tardes ia sentar no meu banquinho lá na curva do rio. Olhava o
horizonte quem sabe, um ônibus viria novamente! Meus olhos enchiam-se de
lágrimas. Agora não chorava mais. A dor que sentia era no meu coração. Uma dor
doída. Lembranças, lembranças que machucavam. Que dias lindos maravilhosos eu
tive e se foram.
Durante
muitos anos a minha memória revivia todos os dias felizes que com eles passei.
As saudades permaneceram por longo e longo tempo. Meu Deus! Daria tudo para vê-los
novamente! Sabia que não ia acontecer. Quando foram eu ainda não sabia, mas era
o último Adeus. Um adeus sem volta. Sem retorno. Gostava de aos domingos sentar
próximo no mastro da bandeira deles. Agora seco, mas firme. Eu não deixava ele
cair. Chegava com meu lenço, ficava durinho e dava sempre alerta. Olhava uma
bandeira invisível sendo erguida e chorava.
Não sei
quantos anos se passaram. Cresci, casei, tenho filhos. Nunca mais vi os
escoteiros. Quantas saudades que permanecem na minha lembrança e não se apagam.
O ultimo adeus! Sim, foi o último adeus daqueles que fizeram de mim, um homem
feliz. Quatro dias. Quatro dias! O
ÚLTIMO ADEUS!
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