Conversa ao pé do fogo.
O dia que perdemos Dona Lurdinha.
(Uma historia baseada em
fatos reais)
Eu nunca esqueci a Dona Lurdinha. Baixinha, cabelos pretos
curtos, um sorriso encantador, fazia às vezes de uma bibliotecária da
biblioteca da prefeitura da nossa cidade. Aprendeu ali. Não tinha feito nenhum
curso. Biblioteca pequena, não mais que uns cinco mil livros, mas era onde
podíamos fazer nossas pesquisas. Muitos de nós íamos sempre lá; Não só para ler
os livros, mas para “paquerar” as meninas do Colégio das Irmãs. Pessoas próximas a nós muitas vezes não vemos
o que ela é, seus sentimentos e se chora e se ri. Ali naqueles quatros paredes
Dona Lurdinha só servia para nos entregar os livros. Se depois que saíssemos
ela fosse à mesa onde estivemos para limpar e guardar os livros era como se
fosse uma obrigação. Aprendemos muito com as pessoas a nos servirem, mas
esquecemos de que servir primeiro e ser servido depois faz parte de um bom
Escoteiro.
Aluno do Ginásio e Escoteiro eu ia sempre a Biblioteca. Muitas
vezes toda a Patrulha. Na Enciclopédia Britânica ou a Barsa devorávamos tudo
que se dizia sobre os escoteiros. Dona Lurdinha sempre prestativa com um
sorriso. Ela sabia o nome de quase todos nós. Um dia discutimos em Patrulha se
BP falecera foi em Nairóbi ou no Quênia. Não sabíamos que um era a capital do
outro. Uma gostosa discussão em
Patrulha. Lá fomos nós a biblioteca. Ela veio prontamente a ler para nós tudo
sobre o Quênia e sobre Nairóbi. Ouvíamos com atenção. Afinal achávamos que ela
tinha todos os livros na mente.
Um dia ao passarmos a porta da biblioteca vimos que ela estava
fechada. Escrito em uma folha de papel dizia que Dona Lurdinha falecera.
Assustei-me com a noticia. Fomos a casa dela. Uma multidão. Não sabia que era
tão querida assim. Disseram que morreu de câncer. Que sofrera muito. Nunca
vimos nada. Ela nunca demonstrou para nós sentir dor só nos tratava com bondade
e um sorriso. Todos o Grupo Escoteiro foi em peso ao seu funeral. Nunca vi
tanta gente no Cemitério como naquele dia. Cantamos para ela a canção da
despedida. Como sempre todos chorando. Mas no final uma palma escoteira, um
bravo e um arrê com todos os chapéus sendo arremessados para o alto.
Uma semana depois colocaram lá o Senhor Carlito. Não era a mesma
coisa. Apesar de educado perdia a calma com qualquer um dos jovens que
frequentava a biblioteca. Agora ela andava quase sempre vazia. Entrei lá um
dia. Estava uniformizado. A missa que frequentávamos tinha terminado. Olhei para
todos os lados, as prateleiras, num canto o Senhor Carlito dormitava. Faltaram
as moscas para acompanhá-lo. Deu-me uma enorme saudade de Dona Lurdinha.
Lembrei-me de Clarice Lispector que dizia: Atitude é uma pequena coisa que faz
a diferença. É isto mesmo. Tem pessoas que fazem a diferença, veja o que o
Escritor Manoelzinho da pequena Contagem em Minas escreveu:
“Para se fazer uma obra de arte, não
basta apenas ter talento, não basta ter força, não basta ser inteligente, tudo
o que fazermos na vida e uma obra de arte, mas para que uma obra de arte por
mais simples que seja se torne uma marco para posteridade em nossas vidas devemos
executá-la com todo o amor existente em nossos corações porque a nossa vida em
si será uma obra de arte que completara e embelezará a vida de quem estiver próximo
da gente”.
Era verdade. Dona Lurdinha fazia a
diferença. Sem ela a Biblioteca perdeu a graça. Pensavamos diferente. Paquerar
as meninas, “mandar” ela pegar um livro tal. Para nós sem saber ela era uma
serviçal ali para nos servir. Nunca notamos nada, seu sorriso agora fazia
falta, sua maneira leve de andar pela Biblioteca sem fazer barulho como se
estivesse andando em um gramado nunca foi observado por nós. Incorporou-se a
biblioteca. Dona Lurdinha nunca foi escoteira. Nunca vestiu um uniforme, mas
hoje eu a tenho como uma das maiores escoteiras que conheci. Nada melhor para
explicar lendo o que disse Claudiana Lerbarch:
“Existem pessoas que de um jeito
ou de outro mudam de alguma forma a nossa vida ou até mesmo a nós mesmos. Para
isso, não é necessário que elas estejam ao nosso lado sempre, ou convivam
conosco, não importa se a vemos todos os dias, ou se praticamente não as vemos,
não importa o tempo ou à distância. O que importa é que estas pessoas existem e
fazem parte da nossa história.
Essas pessoas geralmente entram na nossa vida por acaso, e com o passar do tempo, aos poucos, dia após dia, elas nos conquistam nos mínimos detalhes, nas coisas mais pequenas”.
Essas pessoas geralmente entram na nossa vida por acaso, e com o passar do tempo, aos poucos, dia após dia, elas nos conquistam nos mínimos detalhes, nas coisas mais pequenas”.
Claudiana Lerbarch:
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