Lendas escoteiras.
E a vida continua.
A primeira vez que conheci Pataxó foi há muito tempo. Ele era Sênior.
Encontramo-nos em um acampamento distrital de patrulhas. Escolheram-me como
Chefe do subcampo Sênior. Ele não era Monitor, mas uma tarde me procurou na
barraca de chefia – Chefe! Pode me dar um tempo? – Claro meu jovem, o tempo que
você quiser. – Por favor, não me ache infantil. Nada disto. Mas vim aqui para
fazer escotismo e o que vejo são as guias e seniores conversando aqui e ali.
Não quero que mudem nada, mas não é o que eu queria para uma confraternização
distrital. – Assim sabe Chefe estou querendo ir embora. Sei que meu Monitor não
vai entender, ele está namorando uma menina de outro grupo. Sei também que
quando chegar ao grupo na primeira reunião eles irão fazer um Conselho de Tropa
e claro, irão claro me punir de alguma forma. Se acontecer prefiro sair do
movimento Escoteiro.
Sou
um homem vivido. Sempre achei que tinha as respostas para tudo. Naquela hora
não. Não sabia o que dizer. Falar o óbvio, os mesmo aconselhamentos sabia que
não ia atingir o objetivo. – Pataxó, me faça um favor, chame seu Monitor até
aqui na chefia? – Ele me olhou espantado e foi. Esqueci-me de dizer Pataxó não
tinha descendência indígena. Era loiro magro e alto. Interessante um olho azul
claro e outro castanho. Em menos de cinco minutos o Monitor chegou com ele.
Estava preocupado. – Sempre Alerta Chefe! Monitor da Antares se apresentando. –
À vontade meu amigo. Sente-se aqui. Vou lhe fazer um pedido. Claro você só
atende se for possível. – Diga Chefe! Você já viu que estou sozinho aqui. São
mais de quinze patrulhas seniores. Preciso de ajuda não para liderar vocês, mas
para dar uma arrumação na bagunça do programa. Não quero desfalcar nenhuma
Patrulha com um Monitor. Como sei que vocês estão em seis que sabe você poderia
me ajudar deixando o Pataxó aqui comigo até amanhã tarde?
Pataxó franziu a testa e levantou as sobrancelhas. Não disse mais nada.
Fiquei conhecendo o rapaz. Educado, prestativo e pelo que me contou era
esforçado para atingir um objetivo que matinha em sua mente. Queria ter uma boa
fábrica de móveis, pois era aprendiz em uma e lá estava aprendendo o ofício com
amor e abnegação. Estudava também à noite. Era corrido para ele. Foi por dois
anos escoteiro, mas quando conseguiu a vaga na marcenaria os sábados foram
cortados. Voltou a menos de um ano para os seniores. Seu Marcondes dono da
Marcenaria passou a fechar ao meio dia de sábado. Ele gostava do escotismo.
Gostava de atividades aventureiras, de acampamentos e excursões. Fizera amigos
na tropa. Agora era tudo diferente, as moças chamadas de guias estavam juntas
nas patrulhas.
Em
dois acampamentos ele se sentiu um peixe fora d’água, mas acostumou. Ficar o
dia inteiro com elas – Na Patrulha somos seis, três são guias disse. Porque
estranhou? Perguntei. – Bem Chefe, o Senhor sabe correr para o matinho ver se
tem alguma delas, estar ali a subir em arvores, falsa baiana e construir um
ninho de águia com elas não era fácil. Concordo que elas eram animadas,
esforçadas e até em certos casos eram superiores a nós seniores. – Pataxó
contou, contou e ficamos até altas horas da noite conversando. Ou melhor, ele
falando. Eu só ouvia. No dia seguinte ele estava alegre, brincalhão, foi em sua
Patrulha várias vezes e até me perguntou se podia voltar. – Você quer?
Perguntei? – Sim Chefe, o Senhor não vai acreditar, mas a Franciele disse que
sentiu saudades de mim! – Problema resolvido. Este escotismo moderno não é
fácil. De vez em quando deixar falar e ficar calado é o melhor caminho.
Passou-se mais de dez anos quando encontrei novamente Pataxó. – Uma
surpresa. Estava em meu Grupo Escoteiro em atividade num sábado à tarde com os
escoteiros e uma Assistente da Alcatéia me procurou – Chefe tem outro Chefe da
Bahia querendo falar com o Senhor. Olhei e lá estava Pataxó. Nos seus vinte
seis anos. Um homem formado na família escoteira. Ao seu lado uma linda moça. –
Olá Chefe, ele disse, lembra-se de mim? – Nunca o esqueceria. – Esta é
Franciele. Minha noiva. Vamos nos casar no ano que vem. – Sabe Chefe, nunca o
esqueci. O Senhor foi o único que me mostrou o caminho sem dizer nada. Sou
eternamente grato. Ainda estou no Grupo Escoteiro. Hoje sou Chefe de Tropa
Escoteira. Minha noiva me ajuda, pois temos duas Patrulha femininas. Mas
separadas! E riu a vontade.
Nada
como ver um final feliz. São coisas que encontramos sempre no escotismo. Tem
fatos que nos marcam, ficam gravados na mente. Alguns amarrados com grandes
amarras no coração. Naquela noite, levei Pataxó e Franciele em uma
churrascaria. Passei em casa e convidei minha esposa. Que noite gostosa. Que
noite linda em saber que Pataxó venceu seus temores. Que hoje é dono de uma
grande loja de móveis em sua cidade – Chefe! – disse Pataxó - Eu sonho em ver
nossos filhos de uniforme, sorrindo, juntos e aprendendo a ser alguém nas belas
coisas que BP nos deixou! – Isto mesmo Pataxó pensei. Claro, Pataxó foi um
vencedor. Nem sempre encontramos escoteiros como ele. Meu alerta a você Pataxó
esteja onde estiver, pessoas como você fazem do escotismo o maior movimento de
formação do caráter em todo o mundo!
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