Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Micoçar o Charreteiro e o Comissário Escoteiro Viajante.



Lendas Escoteiras.
Micoçar o Charreteiro e o Comissário Escoteiro Viajante.
(uma história baseada em fatos reais)

                Tem dias que a gente fica assim meio “paradão”, vontade de fechar os olhos e não fazer nada. E o pior é que nestes dias as lembranças surgem e até a gente dá boas risadas com o passado. Micoçar tinha uma charrete. Transportava pessoas. Naquela época eram chamadas de “freguês”. O termo cliente surgiu tempos depois. Se não me engano eram uns vinte charreteiros. Viviam disto. Quase não existia taxi na minha cidade. Eles eram educados. Na estação da estrada de ferro formavam uma fila educadamente e ninguém atravessava o outro. Eu nos meus dezesseis anos conhecia todos eles. Micoçar era o mais conhecido por oferecer rosas às moças que alugavam sua charrete.

                 Um dia ele apareceu na sede Escoteira. Na sua charrete um “freguês”, ou melhor, Chefe Escoteiro. Desceu e garboso se apresentou: - Sou o novo Comissário Escoteiro Viajante nesta região. Chame seu Chefe. Caramba! Nosso Chefe era o Chefe João. Só ia a sede uma vez por mês. Sargento da policia militar. Gente boa. Um segundo pai para mim. Mas nossas reuniões não são como hoje. Sem aqueles programas de Bandeira, oração, inspeção, chamada, jogos. Éramos duas patrulhas sêniores a Gavião e a Elefante. Só bem mais tarde foram alterados os nomes de patrulhas seniores para pessoas ou locais históricos. Não sei se o que fazíamos era o certo, mas dos treze seniores só um tinha entrado como escoteiro os demais vieram dos lobinhos. Romildo Monitor pediu ao Chiquinho para leva-lo a casa do Chefe João.

                  À tarde daquele sábado fomos chamados a casa dele. Ele estava sério. - O Comissário quer fazer uma reunião para mostrar como se faz. Disse que o que viu vocês fazendo estava errado. Exigiu que eu estivesse presente. Se não fosse Escoteiro eu teria mandado prendê-lo. Arrogante o moço. Eu não vou, mas vocês todos devem ir. A reunião ficou marcada para domingo pela manhã. Em frente à sede e atrás do Cine Pio XII. Havia um campinho de futebol onde nos reuníamos. Ele queria a tropa Escoteira, mas ela estava acampando na Caverna do Macaco próximo ao Rio Doce. No domingo lá estávamos. Ressabiados. Não sabíamos o que ele ia aprontar. Chegou como sempre com o Micoçar. Ele alugava a charrete pelo dia inteiro. Apresentou-se a nós – Sou Chefe Escoteiro do grupo tal. Como hoje viajo muito como representante comercial (conhecíamos como caixeiro viajante) fui nomeado Comissário Viajante para ensinar aos grupos da minha área como fazer escotismo e exigir o registro de cada um de vocês!

                 Assim ele começou a reunião. Tudo nos padrões que hoje conhecemos. Eu mesmo dei muitas sessões em cursos falando sobre isto. Não estava errado. Mas aprontou uma correria que nos deixou perplexos. Queria a todo custo fazer uma competição entre nós. Éramos amigos. Nunca gostamos disto. Nenhuma Patrulha era mais que a outra. Até ai tudo bem. A missa acabou e um mundão de gente ficou ali nos olhando. Nesta hora ele resolveu cantar uma canção. Hoje muito apreciada e até adoro cantar. Mas naquela época? A Piaba. Sai, sai, sai oh piaba saia da lagoa. E quem entrava na roda dava uma umbigada e tinha que rebolar. O povo todo em volta dando risadas. Nós vermelhos de vergonha. Na minha vez entrei rebolei um pouco e sem querer olhei para o Micoçar que ria a valer e gritava baixinho; - Telirio! Telirio! Para quem não sabe esse coitado (desculpe o termo) era o único Gay conhecido da cidade. Quer comprar uma briga? Chame o outro de Telirio. Desisti. Romildo também. O povo morrendo de rir. O chefão gritando: - voltem todos. Não dispensei ninguém!

                 Coitado. E quem obedeceu? Ficamos ali de braços cruzados morrendo de vergonha por ficar rebolando. O pior que hoje quando lembro penso comigo como eram os tempos passados. Hoje adoro cantar a Piaba e rebolar. Risos. Ele saiu com Micoçar e foi direto a casa do Chefe João. Micoçar olhou para trás rindo e falou baixinho para mim – Telirio! Oh! Vontade de esmurrar o Micoçar. Só sei que ele falou cobras e lagartos com o Chefe João. Ameaçou fechar o grupo. Ameaçou tanto que o Chefe João o pegou pela camisa, o arrastou até a Charrete de Micoçar e disse – Suma! Se aparecer na minha frente de novo deixo você uma semana no xilindró! Dia seguinte o Chefe João nos contou toda a conversa. Disse que não tínhamos seniores. Sim um bando de indisciplinados (até certo ponto com razão). Exigiu que se fizesse um Conselho de Tropa e destituísse ambos os Monitores. Disse que enquanto não fizermos tudo isto o grupo nunca seria registrado.

                  Interessante. Nunca fomos registrados. Nosso grupo tinha mais de trinta anos de atividade e nunca fizemos registro. “Belle Époque”, outros tempos. Uma Segunda Classe suada. Primeira Classe? Não era para qualquer um. Um orgulho do caqui curto. Orientar com os ventos, com a lua, com as estrelas e as constelações. Pescar para comer na hora, armadilhas de pássaros para um bom assado. Comer mandioca do mato, aipim. Uma sopa de capim gordura. Bananas verdes fritas na brasa. Bundinhas de Tanajura na panela estouravam como pipocas. Risos. Nunca desistíamos do escotismo. Tinha pena dos novatos. Quase não havia vaga. Trinta e seis lobinhos onde só podia ficar vinte e quatro. Cinco Patrulha de oito onde deveriam ser quatro. Sênior? Este sim. Não era para qualquer um. Duas Patrulhas só. Cidade pequena. Nesta idade a maioria dos rapazes estouravam a idade na tropa e tinham de trabalhar. Serem aprendizes. Não existia a Semana Inglesa. (parar aos sábados ao meio dia).

                   Outro escotismo? Pode ser. Escotismo do campo. Sem chefes. Só os monitores indo e vindo. Viver na natureza. Olhando as flores desabrocharem. Colocando os pés na água fria e cantar baixinho – Ah! Que gostoso! Olhar o sol caminhando para o oeste e dizer – É para lá que vamos! Hoje não dá mais. GPS, ele lhe mostra tudo. O Chefe ali com você. Alguns fazendo tudo. Você não precisa pensar. Nem calcular mais se precisa. O Google lhe dá as respostas de tudo. Tabuada? Ficou na história. Um celular ou um smartphones para quando der uma parada na jornada entrar no Facebook. Ver os e-mails. Isto sim é moderno. Olhar os pássaros? Os animais? Descobrir novos caminhos? Quem sabe olhar a abóboda celeste e descobrir as estrelas? Ver um cometa riscando os céus e saber de qual constelação estavam vindo ou indo? Nada disto. Tudo mudou e para melhor. Nesta época moderna não cabe mais um Romildo, um Jessé, um Taozinho um Israel ou mesmo um Micoçar ou eu mesmo. Belos taxis hoje. Uma charrete só como peça de museu.

E sabem? Eu e Micoçar anos depois nos tornamos grandes amigos. O tal Comissário alugou sua charrete por dois dias e não pagou. Foi embora e deu o cano. As patrulhas fizeram uma “vaquinha” e pagaram em suaves prestações. Sua charrete me levou a belos lugares por vales e rios desconhecidos. Charretes! Também foram engolidas pela modernidade. Pelos novos tempos!

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