Lendas escoteiras.
O Cisne Negro da asa partida.
Beth
Blue era muito amiga da Celia desde os tempos que ambas foram coordenadoras
bandeirantes. Beth Blue me visitava uma ou duas vezes por ano. Eu a conheci em
cursos, pois sempre recorria a ela pela sua vasta experiência com lobinhos. Era
Akelá em um grupo do outro lado da cidade. Infelizmente pela idade poucos a
convidavam. Não dá para entender. Lembro que ha alguns anos atrás ela me contou
esta história. Era uma tarde linda. Junto com a Célia ela nos fazia companhia na
varanda e o sol ia aos poucos se pondo no horizonte. Beth Blue sabia contar
histórias. Narrava com perfeição. Prendia a todos nós com seus gestos, seu
timbre de voz que mudava de acordo com o desenrolar da história. Ela me
garantiu que era uma história verdadeira. Como duvidar de Beth Blue?
Olhe
Chefe, no verão passado fomos fazer um acantonamento No sítio Caminho Azul de
um pai de um Escoteiro. Local magnífico. Um lago não muito grande, um bosque
gramado, um campinho de futebol e um riacho pequeno de águas límpidas. Os
lobinhos adoraram. Nossa Alcatéia era composta de dezoito lobos. Dez meninos e
oito meninas. Muitos com um ou dois anos de atividade. Pretendíamos ficar lá
três dias aproveitando um feriado prolongado. A casa sede tinha dois quartos e
mesmo assim levamos quatro barracas. Se o tempo permitisse dormiríamos em casas
de lona. Chegamos cedo. Por volta de nove da manhã. Duas mães estavam conosco
para ajudar nas atividades e refeições. Eu estava com mais três assistentes. Um
Balú, uma Kaá e a Bagheera. A Chill não pode ir.
Mas
vamos ao que interessa. Após o almoço cuja matilha branca alega que foi ela
quem fez (risos) claro sem esquecer as duas mães cozinheiras. Fomos fazer um jogo
calmo. Não tão calmo e sabíamos que ele levaria pelo menos uma hora para ser
todo desenvolvido. Eram três bases. Uma um Assistente escondia em cima de uma
árvore um relógio que devia ser visto de um só na ângulo. Outra um Assistente
com duas sacolas e a cada cinco segundos tirava um objeto, o jogava para cima e
guardava na segunda sacola. Seriam vinte objetos. A terceira um sisal amarrado
entre duas árvores a uma altura de três metros aproximadamente e quatro
petecas.
O jogo
consistia no seguinte: - Uma matilha em cada base. Quinze minutos para cada uma
desenvolver sua tarefa individualmente. Na primeira eles deveriam ver no
perímetro marcado onde estava o relógio. Avistando não deveriam apontar e nem
dizer nada. Iam até o Assistente responsável e em uma prancheta escreviam onde
estava e assinava e dizia uma lei do lobinho. Após os quinze minutos um grito
longo de Lobo, trocavam-se as bases. Na segunda eles deviam observar por um
minuto os objetos que eram jogados ao ar e memorizar. Depois cada um recebia
uma caneta e uma folha de papel para escrever o que estava na memória. Em
seguida deviam em conjunto cantar alguma canção Escoteira. A terceira base cada
um devia usar a peteca, dar uma palmada que devia atravessar por cima do sisal,
ante de cair o lobo ia para o lado contrário e dar outra palmada devolvendo. Ai
a peteca podia cair ao chão. Se isto acontecesse ele teria feito a prova. Para
não demorar a base tinha quatro petecas.
Tudo
corria tranquilamente, os lobos se divertindo e o tempo foi passado. Pensamos
que dez ou vinte minutos por base seria suficiente. Pretendíamos naquela tarde
que o banho no riacho fosse feito mais cedo. Foi então que Letícia, uma lobinha
de oito anos veio correndo avisar que viu um lindo Cisne Negro. Interessante.
Não sabia que ali existiam esses pássaros. Fui até lá com ela. O cisne Negro
era um espetáculo. Se abrisse as asas acho que teria bem um metro de
envergadura. O cisne tinha os olhos fixos para uma árvore. Não se importava
conosco. Nem nos olhava. Logo todos os lobos ficaram em volta. O cisne nem
estava aí. Só olhando para a árvore. O Balu tentou descobrir o que tinha na
árvore. Conseguimos avistar lá em cima um grande ninho. Só podia ser do Cisne
Negro. Observando melhor o Cisne notei que uma das asas estava meio caída.
Deduzimos que ele ou ela não podia voar.
Deveriam
existir filhotes e o Balu subiu na árvore e confirmou. Eram dois e piavam sem
parar. Lembrei que eu tinha feito uma pesquisa há tempos sobre Cisnes. Chamei a
Alcatéia e aproveitar para falar sobre eles. Enquanto isto o Balu foi até o
lago a procura de plantas e pequenos bichinhos para alimentar os filhotes. Os
lobos em volta do cisne que não olhava para ninguém. Só para a árvore. – Sabem
lobinhos, comecei – O cisne gostas de lagos, brejos e outras áreas de água doce
ou salgada. Vivem em bandos. Alimentam-se de plantas aquáticas e parei de
falar. Vi que Norminha uma lobinha se aproximou do cisne. Passou a mão em sua
cabeça. Ouvimos um cantar diferente. Não identifiquei. Parecia que o Cisne
chorava. Toda a Alcatéia começou a chorar.
Levei
os lobos para a Casa Grande, tentamos mudar o rumo do programa, mas o Cisne não
parava de cantar. A noite ele calou. No dia seguinte ainda estava lá em pé
olhando para a árvore. O Balu alimentava os filhotes duas vezes ao dia. No dia
do retorno, os lobos levantaram cedo. Correram até devia estar o cisne. Não
estava mais lá. Como? E a asa partida? E os filhotes? O Balu subiu na árvore e
encontrou o ninho vazio. O cisne e os filhotes haviam partido. A lobada começou
a chorar. Tentamos mostrar que foi bom, que a mãe e os filhotes agora podiam
voar e foram para onde deveriam ir. Eu sabia que quando se aproximava o inverno
eles em bandos descolocavam para regiões de clima mais ameno. Mas não adiantou.
Os lobos com olhos vermelhos chorando por não verem mais o Cisne Negro da Asa
partida.
Às quatro
da tarde, já com a tralha pronta, fomos para o cerimonia de bandeira. Os
lobinhos formados em círculo e em posição para o Grande Uivo. Quando eu ia
fazer o sinal ouvimos um barulho de asas. Olhamos para cima, centenas de cisnes
voando em direção ao infinito. Três deles desceram até nós, um grande e dois
pequenos. Eram eles! Voaram sobre nossas cabeças por alguns segundos e
partiram. Todos calados. Um grito explodiu na alcatéia. Uma alegria imensa.
Todos gritaram alto – Bravô! Os lobos sabiam que era o Cisne Negro e seus
filhotes que vieram se despedir. Ninguém nunca mais esqueceu. Contavam a todos
na sede, seus amigos da escola e a história durou muitos e muitos anos.
Beth
Blue se calou. Olhei para ela, Célia também. E? - Fim Chefe. Nada mais. A noite
chegou. Um cafezinho e Beth Blue partiu. Fiquei ainda por longo tempo na varanda.
Uma ótima história. Seria verdade? Sei não. E como se diz por aí das histórias
escoteiras contadas:
- Feijão não é vaca, boi não é arroz. E quem quiser que conte
dois!
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