Conversa ao pé do fogo.
O sonho de Robert durou até o último verão.
Tudo aconteceu porque
Dona Milena, gerente do RH um dia disse me disse – Robert, você tem um futuro
promissor conosco. Mas como você tem vários aqui na empresa. Sei do seu esforço
pessoal quando lutou dois anos para conseguir um MBA (Master in Business
Administration) para executivos na área de administração. Você sabe que não foi
o único, portanto como você tem muitos outros. – Eu ouvia atentamente. Estava
fazendo três anos que participava da Mavotini&Sati Ltda.. Logo ao me formar
me foi feito um convite e o aceitei de pronto. Lisibel minha esposa também
trabalhava em um conglomerado hospitalar e não podíamos nos queixar. Tínhamos
uma vida sem sobressaltos. Manny nossa filha de seis anos estudava em um bom
colégio de período integral. Mas eu queria mais. Afinal somos humanos e
sonhamos em crescer sempre. – Dona Milena completou – Pois é Robert, vou lhe
dar um conselho. Hoje em dia as grandes empresas estão valorizando muito o
trabalho de executivos em todas as áreas, vi que tem uma área onde no seu
curriculum não consta. O trabalho Voluntariado.
Fui para casa
pensando. Comentei por alto com Lisibel. – Ela me olhou e disse – Porque não
vai comigo aos sábados no Hospital do Câncer? Faço parte da turma de
entretimento de jovens portadores da doença e é um trabalho maravilhoso. Ela já
tinha me convidado outras vezes. No principio ficava em casa lendo, pois tinha
livros e livros para me atualizar e na semana não dava tempo. Agradeci. – Vou
pensar em outra coisa disse – Um sábado gostoso de verão, sentado em minha
varanda vi dois jovens passando. Eram Escoteiros isto eu sabia. A maneira
simpática no andar e no cumprimentar as pessoas que encontravam chamaram-me a
atenção. Viraram a esquina e eu fiquei ali olhando Manny que brincava seus
folguedos no quintal. Tudo começou a germinar na minha mente. Seria outra
escola. Outra forma de voluntariado. Quem sabe os meus sonhos de juventude não
poderiam ser revistos ali?
- Manny, venha cá – eu
disse – Você já viu os Escoteiros? Ela meneou a cabeça. Parece-me ser
divertido. Quer ir lá comigo conhecê-los? – Não deu outra. Fomos a pé. Era
perto. Eles se divertiam em um pátio apertado, mas que dava para suas
atividades. Perguntei ao jovem que passava onde encontraria o responsável. Ele
displicente me mostrou o salão. Engraçado, uns fazendo excelente apresentação e
outro deixando a desejar. O Senhor que me recebeu não me deixou falar muito.
Parecia desconfiar de mim e de minhas pretensões. Deu-me duas fichas para
preencher e trazer no sábado seguinte. Fiquei mais algum tempo lá olhando.
Sinceramente gostava do que via. Mas parecia faltar alguma coisa. O que seria
não pude saber na época. Talvez por estar acostumado a ser gerenciado e a
gerenciar uma organização de forma estratégica, holística e sustentável onde o
trabalho em equipe era imprescindível. Ali não via muito disto e quem sabe era
assim o modo de ser das atividades deles.
Manny ficou impressionada. Gostou
muito. Comentei com Lisibel. Ela riu e não disse sim e nem não. Voltei lá no
sábado seguinte. Fui aceito de pronto. Estranhei, pois era uma organização de
jovens e todo cuidado deveriam ter na admissão de adultos. O Próprio Chefe a
quem chamavam de Diretor Técnico disse-me que seria meu assessor. Não entendi
bem, mas estava bem motivado a começar. Levou-me até a Tropa de Escoteiros e só
comentou com o Chefe deles que eu iria fazer uma espécie de estágio. Ele sorriu
para mim e nem perguntou meu nome. Foi estranho isto, mas depois de alguns
meses ele e eu nos tornamos grandes amigos. Um sábado comentou comigo sobre
cursos e literatura. Interessei-me. Na semana tirei um tempo de almoço e fui
até loja escoteira comprar os livros que ele me indicou. Não quiseram me vender
sem provar que era um membro registrado da UEB. Não entendi isto. Para
literatura?
Pela internet consegui
três títulos do fundador na Salcedo, uma grande livraria em minha cidade.
Quando eles chegaram fiquei dia e noite lendo. Devorei página por página. Adorei
tudo que o escotismo poderia oferecer aos jovens. O fundador Baden Powell foi
muito feliz nesta empreitada. O Escotismo para Rapazes, o Caminho para o
Sucesso e o Guia do Chefe Escoteiro me nortearam em tudo daquilo que o
escotismo possuía. Uma grande organização de jovens com possibilidade de mudar
o mundo! Isto mesmo. Agora eu sabia, mas porque não faziam um grande marketing?
Porque os jovens que hoje são adultos e que ali passaram não traduziam para
seus pares, nas suas empresas, nas suas associações as vantagens de um
movimento como ele? Isto me pareceu abstrato.
Tentei me entrosar
mais. Conhecer mais profundamente o âmago da questão. Precisava me informar
mais e tinha mil ideias a balançar minha mente. Achava que podia ajudar e
muito. Afinal fiz muitos cursos, participei em diversos seminários e vi como
seria fácil levar o escotismo aos pícaros da gloria. Lugar que ele sem sombra
de duvida merecia. Inscrevi-me em vários cursos escoteiros. Foi ali que comecei
a ficar decepcionado. Os lideres eram diferentes dos meus professores de
faculdade e os grandes mestres do MBA o último que fiz. Havia no ar uma
disciplina tal que amedrontava os alunos que discordavam. Uma força maligna que
impelia a aceitar tudo para não ser defenestrado ou mesmo reprovado. Fiz outros
cursos, em alguns o companheirismo imperava. Enquanto isto tudo que eu era na
minha empresa, os cursos que fiz não tinham no escotismo o menor valor. Ou era
um seguidor ou não era nada. Participei de algumas atividades nacionais. No
Grupo Escoteiro um dia fizeram um Conselho de Chefes. Poucos falavam. Muitos
querendo que terminassem logo para ir embora. Não resolveram nada, pois o
Diretor Técnico era o dono das ideias. Não deixava mudar um milímetro do que
ele entendia como certo.
A maneira de
conduzir do Distrito e da Região também era como se fosse uma grande fazenda,
onde só o proprietário dirigia tudo ao seu bel prazer. Dizer que tinha voz e
voto seria difícil de aceitar. Eram muitos. Claro tinha aqueles grandes chefes
que sabiam aonde chegar e arrastavam multidões com eles. Não desisti. Olhe que
fiquei no Grupo Escoteiro por dois anos. Sempre como assistente do meu Chefe de
Tropa. Neste interim em minha empresa fui promovido a gerente regional e sócio
sênior com amplos direitos na minha área. No Grupo Escoteiro permaneci
assistente. As Assembleias de Grupo eram insignificantes. Pais desinteressados
e faltantes. Tudo que idealizava para dar um salto no conhecimento Escoteiro no
país era rechaçado de pronto. Diziam que eu não entendia nada, pois escotismo
era uma coisa, empresa era outra. Se dentro do próprio Grupo Escoteiro minhas
ideias nunca foram debatidas, discutidas ou aprovadas que dirá nas outras
esferas?
Aos poucos estava
desistindo. Minha filha a Manny que outrora era uma entusiasta ia mais as
reuniões por minha causa. Comentei com Lisibel. Ela não disse nada. Não me
criticou, não criticou o escotismo. Sem levantar a voz disse que em
organizações como o escotismo tinham muitos participantes adultos que seguiam a
corrente, que pouco indagavam o caminho e nunca iriam querer identificar
possíveis soluções e implicações, para uma tomada de decisões sólidas e
fundamentadas com ideias de toda a sociedade escoteira. Achei que ela tinha
razão. O pior é que eu passei a amar o movimento. Eles os Escoteiros diziam que
tem um bichinho que morde e deixa lá seu veneno Escoteiro. Eu estava impregnado
com ele. Mas tinha de sair. Não dava para ficar. Nunca me senti útil em toda
sua plenitude. Tinha grandes conhecimentos, poderia ajudar e muito, mas era
sempre tolhido pelos velhos lobos, ou lobos novos que surgiam para dirigir aqui
e ali os caminhos que eles achavam importantes.
Afastei-me. Até
hoje passado quatro anos ainda tenho saudades. Meu sonho não acabou. Ainda
penso em voltar, mas aquela chama do passado hoje não é tão grande como foi. O
meu amor ao escotismo não era maior do que a realidade que acreditava. Eu sabia
que ele nunca iria ser extinto. Não era um mastodonte que nunca foi esquecido,
mas hoje não mais existe. Hoje sou o Diretor Presidente da empresa que presto
minha colaboração. Ali todos nós os colaboradores sabemos que para vencer
precisamos trabalhar em equipe. Desde o mais humilde ao mais alto escalão. Ali
coloquei em prática que a felicidade só existe quando fazemos os outros
felizes. Baden Powell me trouxe enormes conhecimentos. Pena que nosso escotismo
esqueceu-se de suas palavras. Parece mais um urso hibernando na fantástica
caverna dos sonhos impossíveis.
Meu último verão
se fora. Quem sabe um dia, a primavera vai chegar soprando os ventos da boa
nova. - O que sempre sonhei para o escotismo.
Ver milhões participando, mudando tudo que está aí hoje. Fazendo felizes os vários rincões do país onde uma politica saudável, onde o respeito à dignidade humana prevalece sobre tudo, e onde a ética e a honradez faz parte de todos aqueles que um dia participaram e vivenciaram um escotismo. Um novo Brasil. Uma nova mentalidade. Quem sabe o doce sabor da primavera irá trazer o escotismo no coração de toda a comunidade brasileira? O escotismo que um dia amei e nunca deixei de amar?
Ver milhões participando, mudando tudo que está aí hoje. Fazendo felizes os vários rincões do país onde uma politica saudável, onde o respeito à dignidade humana prevalece sobre tudo, e onde a ética e a honradez faz parte de todos aqueles que um dia participaram e vivenciaram um escotismo. Um novo Brasil. Uma nova mentalidade. Quem sabe o doce sabor da primavera irá trazer o escotismo no coração de toda a comunidade brasileira? O escotismo que um dia amei e nunca deixei de amar?
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