O
Contador de Histórias.
Dizem que sou um deles. Sinto-me lisonjeado
com tal titulo. Pensando bem é melhor ser um Contador de Histórias que um
Antigo Escoteiro perdido em suas lembranças. Antigo? Eu? Deixa disso meu amigo.
Nem prá dedéu! Nem sabes como é minha imaginação. De menino Escoteiro
aventureiro a bater pernas por aí. Já me disseram que sou também escritor
Escoteiro. Melhorou. Quem sabe sou convidado para a Academia Brasileira de
Letras? Acho que não vou usar o fardão. Prefiro meu caqui curto de tergal. Vão
se assustar quando adentrar no salão nobre fardado com meu querido caqui e de
chapelão. Claro que terei no tope meu penacho verde e amarelo. Quem sabe usarei
minhas jarreteiras? Bah! Tenho direito ou não? Afinal sou um antigo daqueles
que chamam de velho Escoteiro babão que só acha que seu tempo foi o melhor.
Pensando bem foi bom me tornar um Contador de Histórias. Será que escrevo
supimpa? Se não pode saber que eu fui Escoteiro dos bons. Sei que foram outros
momentos, mas que ficaram presos nas memórias do meu passado distante.
Até hoje não fico sem meu cabo solteiro, ainda
sou bom de nós. Fazia sessenta hoje não mais que quarenta. Ainda tenho minha
bandeirola vermelha e branca de semáforas. Transmitia 45 letras por minuto,
hoje só vinte. Meus braços cansam demais. Outro dia me perdi na minha cigarra que
tenho no quarto transmitindo código Morse. Dois pontos e um traço, traço e três
pontos. Esqueci! Eita Morse danado! Mama mia! Mas na minha bussola silva não me
perco, nela confiro sempre onde está à constelação do Escorpião, de Andrômeda,
de Capricórnio, de Cassiopéia, de Sagitário e me perco nas nebulosas de Orion. É
gostoso quando o céu não tem nuvens e consigo ver as estrelas ou que viajo no
espaço para ver a aurora boreal. Depois fecho os olhos e viajo no espaço
sideral. A gravidade não me incomoda. Adoro isto, correr em sonhos por galáxias
nunca antes exploradas.
Outro dia vi um
Escoteiro com 150 especialidades. Ele tinha duas de astrônomo e cinco de
astronauta. Deus do céu! Suei demais para ter dezesseis. Não foi mole a de
cozinheiro, de mateiro, de acampador, de sinaleiro e construtor de pioneiras.
Não tem mais estas? E a de Mestre Socorrista? Humm! Lembro que quando pequenito
brincava com outras patrulhas: - Aqui meu amigo não se prega nada na camisa com
“cuspe”. Fico de uniforme a me olhar no espelho e o Chefe dizendo: - Melhore o
brilho do cinto, o cordão Verde e Amarelo está desbotado. Gostei da primeira
classe, mas as estrelas de metal de atividade precisa de polimento. E no
acampamento? Descer as corredeiras a bordo de uma jangada do rio era de
assustar. – Ficar formado, o monitor a cantar e a gente acompanhar esperando o Chefe
da Inspeção do dia. Chão limpo, fossas novas, apetrechos, trecos, artimanhas e
engenhocas. Tudo nos seus conformes e no lugar.
Mas o que eu gosto
mesmo é de desenhar. Fui nota dez em fazer um percurso de Giwell. Tirei de letra
o Mapa que fiz da Floresta do Tenente. Fecho os olhos e vem na minha mente a
rosa dos ventos. Pontos cardeais colaterais e sub colaterais. E o azimute? Os
graus? Sabe do que eu gosto mesmo? De ficar olhando e admirando a Rosa dos
ventos de 32 pontos de uma carta de Jorge de Aguiar (1492). È uma carta náutica
assinada e datada da mais antiga de Portugal. Você já viu uma carta náutica? - Não
tenho mais minha barraca. Dei para um dos filhos acampar. Mas sempre a levava
em um bosque e me divertia em armar de todo jeito. De olhos fechados, andando
ou só de costas, com um só braço e uma perna amarrada. Hoje não dá mais para
fazer pioneiras, um fogão suspenso, uma mesa tríplex com costuras de arremate
arredondadas.
Fazer um toldo de folha
de bananeira, brincar de construir com cipós de Alzira, de trepadeira, de
flor-de-são-joão eram tantos que hoje perdi a conta. E o ninho de águia? E a
Passagem do Tarzan? E a ponte pênsil? Poxa foram tantas que preciso ver meu
livro de anotações. Hoje não posso mais gritar “MADEIRAAA!”. Os
conservacionista me pegam de jeito. Uma
“arvinha” de que a gente derrubava para
um mastro ou o inicio de um pórtico que as tardinhas a gente sentava e cantava
admirando o por do sol. Imitar um sabiá, ouvir na floresta encantada o pássaro
preto dizendo: “Amanhã eu vou”! Deitar na beira do lago do Cisne e o sapo cururu
escondido entre pedras, galhos e folhas e cantando maravilhas que a gente só
pode admirar. Sabia que os sapos cantam para se comunicarem com outros sapos?
Outro dia na sala
peguei dois lenços escoteiros e brincava tipotiando quando chegou uma visita. –
Que isto Chefe? – Nada demais, fazia quinze tipos de tipoia e hoje só oito! Eu disse.
Acho que estou ficando Velho. Mas que isto? Comecei a escrever porque me
chamaram de Contador de Histórias e mudei tudo? – É escrever é uma arte de
poucos. Preciso aprender a levar minhas escritas em uma trilha escoteira
perfeita. Como no passado com a patrulha bivacando por aí. Nada de caminho a
evitar e salte o obstáculo. Melhor é saber que lá atrás eu escolhi a trilha do caminho
a seguir. Entrei nesta trilha acreditando que era um caminho da felicidade. Desprezei
outros sinais que não me ajudavam a ser feliz. Ainda bem que me lambuzei na
água boa para beber. Até hoje tento encontrar o fim de pista. Sei que ele vai
aparecer a qualquer momento em alguma curva do caminho nesta estrada que me
meti a fazer como Escoteiro.
Fico quieto no meu canto. Uma
corda pendurada no alto do Jequitibá me diz que posso descer com o nó de
evasão. Se alguém me segurar com um Balso pelo Seio quem sabe talvez aceito.
Chega de fiel duplo ou arnês simples. Vou para o quarto assoviando o Stoldola.
Gosto desta. Mudei para o Rataplã. Bem feito eu sei cantar e você não! Vou
caminhar por aí, minha escala é a mesma e o passo duplo não mudou. Sorri quando
pensei em fazer uma tala ou uma maca de casca de árvores. Se houvesse um
terreno vazio por aqui eu corria a comprar um galináceo e fazer um delicioso frango
no barro usando brasas quentes. Sorrio quando me lembro do Macedo que não
acreditou quando disse que fiz um arroz sem panela. – Tá me chamando de
mentiroso Macedo? Na rua triste que caminhava meu pensamento mudou. Onde está a
alegria? Onde está o bom dia e o boa tarde moço da vizinhança?
Eis que vejo que a
felicidade não está em fazer o que a gente quer, mas sim em querer o que a gente
faz. Olho para traz e vejo que antes eu sabia tudo, hoje sei que nada sei. A
educação deve ser o descobrimento progressivo de nossa ignorância. - Célia me
chamando para jantar. Uma gostosa canjiquinha com pedaços deliciosos de carne
de porco. Uma caipirinha que não posso beber, mas hoje é um dia especial,
afinal não sou um Contador de Histórias Escoteiras?
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