Conversa ao pé do fogo.
A fantástica “Banda” do Maestro Munir.
Quando Escoteiro eu tinha um
sonho. Ou melhor, dois, acampar no Pico da Bandeira e participar da Banda do
Munir. Com treze anos um caminhão da prefeitura nos levou até Caratinga. Lá
pegamos a Maria Fumaça para Caparaó (Águas que rolam nas pedras). Minha alegria
não tinha limites. Afinal estive no Pico da Bandeira. Uma linda história para
contar, mas fica para outra vez. Agora precisava entrar na Banda. Osso duro.
Munir era magro e alto. Usava o chapéu Escoteiro virado, mas muitas vezes
preferia uma boina preta tipo Montgomery. Eu nem sabia quem era esse tal
Montgomery. Usava o uniforme caqui curto e uma bota cano longo. Sujeito
estranho o Munir. Chamá-lo de Munir era briga na certa. Senhor Maestro Munir!
Ele encarava você nos olhos, uns dois minutos, você não sabia onde esconder.
A Banda treinava todas as quintas
feiras entre sete e dez da noite atrás do cemitério do Azarão. Um campinho de
futebol, próximo à cidade, mas cujo barulho não incomodava os vizinhos. Só os
coitados dos “defuntos”. A Banda não era grande, se não me falha a memória tinha
quatro tambores, dois tambores-mor (daqueles enormes quase um metro de altura)
cinco tarois, oito caixas claras, quatro bombos, seis cornetas e dois clarins.
Clarins? O meu sonho. Um dia iria tocar um. Mas precisava ter curriculum na
banda para pelo menos encostar um dedo nele. Munir era severo. Ria pouco. Um
olhar dele gelava todo mundo. A Banda dos Escoteiros era famosa. Nas festividades
todos aguardavam ansiosos a Banda. Passava em frente ao palanque das
autoridades onde fazia evoluções e depois ia em algumas ruas para saudar os
moradores que saiam para aplaudir a Banda dos Escoteiros.
Munir tinha pose dos oficiais
ingleses. Aquele estilo militar que só eles tem. Com sua varinha, seu chapéu
virado, sua bota cano alto a marchar à frente da Banda fazia gestos como se
estivesse regendo uma grande orquestra. Alí ele era o Rei. Era exigente o
Munir. Marchar bem, com honra, respeito, garbo e boa ordem. Bastava um para
destoar e ficar fora da banda por meses. Sua palavra era a lei. Ninguém
desfazia. Eu ia sempre aos treinos da Banda. Ficava ali abobalhado olhando cada
um com seu instrumento. Sempre trinta minutos de ordem unida. Munir não
gritava. Seus gestos eram graciosos. Sabia com perfeição fazer os sinais
manuais de formaturas. Apito? Detestava. Na frente da banda um sinal seu e ela
parava de tocar. Outro alguém gritava: Em frente marche! Todos juntos. Se
alguém errasse valha-me Deus! Eu olhava tudo, caixas, tarol, tambores, bombos,
cornetas, mas meu xodó era o clarim. Jasiel e Marquinhos eram os donos dos
dois. Sentiam-se importantes demais para olhar para mim. Eram seniores
corneteiros. Uma dádiva de poucos.
Só faltava ao treino da Banda quando ia acampar. Este era sagrado. Uma
excursão, bivaque, acampamento sempre estiveram em primeiro lugar. Um dia achei
em um pé de Manga, um galho que se cortado iria ficar igual a um clarim.
Preparei meu instrumento medieval com carinho. Ficava em casa horas com ele na
mão. Levava a boca, fingia que tocava, balizava e sorria. Sonhava em tocar a
Alvorada, o Silêncio, o reunir, debandar e tantos outros toques. Decorei todos.
A Patrulha me absorvia. Eu amava minha patrulha Lobo. Entre ela e a Banda só
tinha uma escolha. A patrulha. Um dia tomei coragem. Cheguei em frente do
Munir. Conferi meu uniforme, tinha que estar no ponto como se fosse uma
inspeção. Munir era exigente. Posição de Sentido, meia saudação – Sempre Alerta
Senhor Maestro Munir, gostaria de participar da Banda! – Tinha treinado em casa
em frente ao espelho como falar com ele. Se errasse ele nem na minha cara ia
olhar mais.
Tomei um susto. Ele olhou para mim. Nem piscou. Cara fechada. Ficou
também em posição de sentido. Bateu um calcanhar sobre o outro. Plok! Sinal Escoteiro
estilo militar. - Quinta! As sete em ponto! Se chegar atrasado não venha nunca
mais! – Sai gritando de alegria. Contava para todo mundo. A Patrulha me
parabenizou. E agora como você vai fazer? – Fácil disse. Os treinos são as
quintas e dificilmente saímos em atividade neste dia. Nos desfiles vão todos.
Portanto dá para conciliar. – Não dá não disse o Romildo Monitor. Quinta agora
não vamos acampar em Bom Jesus? É feriado lá e aqui. Minha nossa! Eu pensei e
agora. – Bom Jesus ficava a vinte e cinco quilômetros de distancia. Sabia que
íamos de bicicleta. Não podia perder meu primeiro dia na Banda e nem no
acampamento. Tinha uma menina em Bom Jesus que me olhava e ria. Quem sabe
estava ficando apaixonado?
Dito e feito. Na quinta às quatro da tarde voltei sozinho a minha cidade
no meu cavalo de aço. Correndo como um louco estrada a fora. Cheguei no
campinho as sete em ponto. Suando, cansado, mas com um sorriso no rosto.
Posição de sentido e lá estava eu me apresentando ao senhor Maestro Munir. No
primeiro dia só treino de ordem unida. Ele só me deu um tambor pequeno oito
treinos depois. Terminando voltei correndo para Bom Jesus. Só três anos após comecei
na corneta e o clarim. A embocadura demorei seis meses para adquirir. Meu sonho
na Banda aconteceu. Toquei clarim por muito tempo. Quando servi o exército era
com muito orgulho o corneteiro do dia. Nunca faltei a um treino, desfile e nem
tampouco nas minhas atividades ao ar livre. Encontrei Munir muitos anos depois
em Colatina. Ele bem velho. Eu com meus trinta e cinco anos. Olhou-me com
aquela cara feia, ficou em pé, em posição de sentido. “Ploc” ouvi seu calçado
bater. Sempre Alerta! Ele disse. Eu fiz o mesmo. Maestro Munir! Que prazer! Já
com aquela idade ainda tinha medo do Senhor Maestro Munir. Ele riu. Nunca o
tinha visto dar um sorriso. Abraçou-me. – Sabe Osvaldo, eu sempre gostei de
você. Nunca o esqueci. Aquele abraço foi demais. Uma alegria pois nunca o vi
dar um abraço em ninguém.
Os tempos são outros. As bandas
não são como antigamente. Não existem mais os Maestros como o Munir. Sei de
muitos grupos escoteiros que venderam ou doaram sua banda. Imposição dos
dirigentes? Que pena. Dá para conciliar. Da para treinar sem incomodar. Até
hoje olho com saudades os desfiles. Quando vejo uma banda fico “arretado” e
“arrepiado”, adoro isto. Na minha juventude a Banda símbolo era a dos
Fuzileiros Navais. Tive o prazer de vê-la tocar muitas vezes. Mas os tempos foram
passando, as bandas ficaram no esquecimento. As histórias de uma banda nos Grupos
Escoteiros hoje quase não são contadas. Se eu pudesse, se meu corpo ajudasse eu
teria um grupo. Um Grupo Escoteiro fantástico. Meninos vibrantes. Acampamentos
mil. E mais o que? Claro, uma banda. Ia com certeza achar um Maestro Munir por
aí. Que vida louca seria. Mas sonhos são sonhos. Com a minha idade não dá mais
para que meus sonhos se tornem novamente realidade.
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