Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Era uma vez... Um comissário Viajante da UEB. (uma história baseada em fatos reais -)


Lendas Escoteiras.
Era uma vez... Um comissário Viajante da UEB.
(uma história baseada em fatos reais -)

              Corria o ano de 1956. Estava com dezesseis anos e respirava escotismo em todos meus poros. Estudava mas não era bom aluno. O escotismo era onde eu me sentia realizado. Naquele sábado de abril pela primeira vez tomei contato com um alto Dirigente da UEB. Foi surpresa, pois nunca tínhamos recebido visitas da alta cúpula a não ser amigos de Grupos Escoteiros de cidades mais próximas. Eramos duas patrulhas seniores, uma com sete e outra com seis patrulheiros. Quase todos advindos da Tropa escoteira com exceção de Venceslau que entrou como Sênior. Nossas reuniões eram mais bate papo, programas de acampamentos, atividades aventureiras e nosso Chefe Sênior quase não ia as sede. Vivíamos mais em atividades ao ar livre que na sede. Aquela máxima que dizia onde tem um Sênior tem uma Tropa valia ali. A bandeira tinha sido hasteada. Fazíamos questão. Zé Geraldo o monitor se incumbiu de tudo. Sentados embaixo de uma mangueira vimos quando ele chegou na charrete de Micoçar. Foi uma surpresa enorme. Alto bem grande barriga proeminente, cabelos negros escondidos no chapéu de abas largas, calças curtas e um andar elegante de gente de cidade grande.

              Estávamos sentados de qualquer maneira. Ainda não havia entre nós aquela exigência de circulo e ferradura só para a bandeira. Ele chegou pomposo. Tinha pelos meus cálculos uns 45 anos. Deu um sempre alerta que quase arrebentou os tímpanos de alguns seniores que estavam mais próximo. – Cadê o Chefe? – Não veio hoje – disse Manoel. - Por quê? – Pergunta idiota. Ninguem respondeu. – Alguém pode chamá-lo? – Não dá Chefe, ele trabalha na Vitória Minas e viajou até Baixo Guandu no expresso. Só volta segunda. - E o Chefe do Grupo? Na casa dele no Morro do Chapéu. – Alguém pode avisar que o Comissário da UEB está aqui? Ninguém falou nada. Não estavam gostando do tipo. Estava muito metido e arrogante com ar de dono da bola. Acostumados com um aperto de mão, apresentação, um sorriso e fraternidade ele não demonstrou isto. Nem seu nome disse. Mindinho se ofereceu para ir avisar o Chefe João Soldado. – Avisar não disse. Diga a ele que é um comissário da UEB, que ele venha logo! – Rimos baixinho. Se ele dissesse isto para o Chefe ficaria no mínimo dois dias no xadrez.

                  Vinte minutos depois Mindinho chegou. – O Chefe disse que se quiser vá a casa dele. Micoçar sabe onde é. Micoçar era um charreteiro de aluguel. Naquela época as charretes faziam a festa na rodoviária e na estação ferroviária. Micoçar era o xodó das moçoilas, pois sempre tinha uma rosa para as que viajassem com ele na chegada ou na partida. Ele saiu com Micoçar sem despedir-se de ninguém. Ficamos sabendo depois que o Chefe João Soldado ficou uma “arara” com ele. Soubemos que o Comissário fazia exigências, falava alto, dizia que era Comissário e a UEB dera a ele plenos poderes. – Lá pelas seis e meia da tarde o Chefe João Soldado chegou com ele à sede. Já estávamos saindo quando ele nos chamou. – Patrulhas o Comissário quer fazer uma reunião para vocês. Quer demostrar como é uma reunião escoteira. Queria os escoteiros, mas estes só voltam amanhã do acampamento. Combinei com ele de vocês estarem aqui por volta das nove amanhã, domingo!

                  A reunião seria realizada no Campinho de futebol onde nos reuníamos. Ninguem gostou da ideia, mas ordens são ordens. Eu pensei que naquele domingo iria perder meu filme da matiné no Cine Pio XII. Buffalo Bill contra o Sioux Hunkpapa e na sequência Nyoka, a Rainha da Selva. Portando o uniforme não pagávamos ingressos. Ordem dada ordem cumprida. A reunião que ele planejou era uma correria de louco. Tais como as de hoje, mas naquela época era visto como um besteirol danado de ruim para seniores. Para dizer a verdade eu estava gostando. Tinha outros que não. O tal comissário bufava e corria para lá e para cá. Como apitava. Uma enorme audiência se formou. Ele dava palestra, jogos, corria saltava e resolveu fazer um comando Crow. Não sabia que éramos peritos na corda. Na primeira fila rindo a valer estava Micoçar com seu bigodinho a lá Charles Chaplin. Naquela época não éramos amigos. Ficamos depois da saga do Comissário Viajante. Foi então que o Comissário formou um circulo e ensinou-nos uma canção que mais tarde adorei, mas naquela época! Vixe, que vergonha. Era a Piaba. Tinha de rebolar, dar uma umbigada e dançar requebrando. Canção para outros não para os machões seniores como nós.

                        Fui obrigado a cantar e dançar. “Sai, sai, sai oh piaba saia da lagoa”! Quando alguém dava uma umbigada à turma da arquibancada rolava de rir. Na minha vez Micoçar começou a gritar: - Vai Telírio! Vai Telírio! Mostre seu requebro! Bem aquilo foi demais. Chamar-me de Telírio era briga na certa. Hoje não, mas naquela época os homossexuais da cidade eram considerados a escória e falar seus nomes era palavrão. Telírio era o mais conhecido. Eu vermelho de vergonha tentei dançar. Difícil requebrar. A turma da arquibancada gritando: - Vai Telírio, requebra e mostre que você é o maior dançarino da cidade! Desisti. Muitos outros também. O povo morrendo de rir. O chefão gritando: - voltem todos. Não dispensei ninguém! O comissário raivoso gritava possesso: - Nem cantar sabem? Que raios de seniores são vocês? Mocinhas lavadeiras do Rio Doce? Todos foram embora. Micoçar a gritar no meu ouvido me chamando de Telírio. Puxei a faca e disse que era a vez dele dançar. Dance se não vai sentir o sangue correr. A turma do deixa disso chegou.

                           O Comissário saiu com Micoçar e foi direto a casa do Chefe João Soldado. Esqueci-me de dizer ele era Terceiro Sargento da Policia Militar. Soube que ele de novo ameaçou fechar o grupo. Tanto falou que o Chefe João Soldado o pegou pela camisa e o arrastou a charrete de Micoçar dizendo: - Suma! Se aparecer na minha frente de novo quebro seus dentes e o coloco uma semana no xilindró. Micoçar se trazer ele aqui outra vez ajeito seu canto no xadrez! Dia seguinte quando o Chefe João Soldado nos contou toda a conversa eu quase morri de tanto rir. - Ora, ora, ele na minha cara disse que não tínhamos seniores. Tínhamos sim um bando de moleques indisciplinados (até certo ponto com razão). Exigiu que fizéssemos um Conselho de Tropa e destituísse ambos os Monitores. Disse que enquanto não fizermos tudo isto o grupo nunca seria registrado. Interessante é que nunca fomos registrados. Nosso grupo tinha mais de trinta anos de atividade e nunca fizemos registro. “Belle Époque”, outros tempos. Uma Segunda Classe suada. Primeira Classe? Não era para qualquer um.


                  E sabem o melhor? Eu e Micoçar anos depois nos tornamos grandes amigos. O tal Comissário alugou sua charrete por dois dias e não pagou. Foi embora e deu o cano. As patrulhas fizeram uma “vaquinha” e pagaram em suaves prestações. Sua charrete me levou a belos lugares por vales e rios desconhecidos. Charretes! Também foram engolidas pela modernidade; assim como o escotismo pelos novos tempos!

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