São Paulo 14 de agosto
de 2019.
Ao meu amigo,
Chefe Zé das Quantas.
Brejo Seco – Brasil.
Meu caro amigo Zé das
Quantas, ou melhor, Chefe Zé. Quanto tempo eim? Preciso voltar às origens e
passar uns dias aí com você. Saudades e muitas dos velhos tempos. Disseram-me
que você ainda faz aquele escotismo de raiz, tradicional e como nos deixou
Baden-Powell. Lembra quando descobrimos na gaveta da sede aquele livro dele?
Como se chamava? Ah! Lembrei-me, Escotismo para Rapazes. Chefe Zé, dizem que aquele
foi modificado e o original tem outro tema. Esta turma de hoje Zé são muito estudiosos,
têm doutores, pensadores, pedagogos têm de tudo até mesmo sabe tudo que se acha
o dono da verdade. Nós dois Zé ficamos parados no tempo, eles sabem tantas
coisas que fico de orelha caída perto deles. “Cê” precisa vê-los corrigindo
meus escritos. Mas a vida é assim não Zé? Pelo menos você ainda é um Escoteiro
simples, sem tantas ambições. Aqui Zé a gente pensa se o escotismo tivesse
salário seria um Deus nos acuda! Mas estou escrevendo para lhe contar as novidades.
São tantas que se fosse escrever tudo ficaria dias na máquina de escrever.
Mas me diga como vai o
Escoteirinho de Brejo Seco? Soube que cresceu, agora está fazendo o SENAI em
Barra do Onça. Vai a cavalo todo dia. Menino marreta não Zé? Lembra-se de
quando comprou sozinho toda sua tralha do uniforme? Nunca reclamou, trabalhou
sem parar engraxando, seu uniforme dona Nazinha caprichou. Olhe Zé, o
escoteirinho é danado, comprou um cantil, comprou sua faca escoteira, comprou
seu facão e sua machadinha. Soube que até hoje seu chapéu está um brinco. Quando
ia acampar ia orgulhoso sabendo que se vai para o mar avie-te em terra. Soube
que ele tentou o Lis de Ouro e não conseguiu. Pois é Zé, se não tem registro,
se não tem computador para “fuçar” no tal PAXTU nunca iria conseguir. Coitado
do Escoteirinho Zé. Lembra-se de seus sonhos em ir naquele acampamento
nacional? Quando viu a taxa, taxiou em suas pernas e chorou. Nunca poderia
pagar. Afinal Zé ele aprendeu que era melhor fazer seu escotismo aventureiro aí
em Brejo Seco do que se elevar pelos ares nas riquezas que hoje são exigidas
aqui para ser Escoteiro.
Olhe falando em ser
Escoteiro me lembrei do Chefe Floriano. Cara batuta não Zé? Lembra quando fomos
fazer cursos na capital? Ele pagou tudo, pagou a passagem de trem e olhe, foram
dois cursos supimpas. Foi lá que saboreei pela primeira vez o tal de Bacon.
Dizia que se pronunciava Baicon. Comi demais. A noite deu até “piriri”. Risos.
Ganhei dele o Para ser Escoteiro e ele deixou um autógrafo. Guardo até hoje com
carinho. – Época boa eim Zé? Lembro que você foi primeira classe e no curso deu
um show de pioneirías. Mas Zé, hoje tirei o dia para pensar se estamos no
caminho certo. São tantos Salvadores do Escotismo que fico assustado. Criaram
um novo uniforme e o batizaram de vestuário. Bagunçaram tudo. Sem meia, com
meia de chapéu sem chapéu, camisa fora da calça, calça curta e comprida. Lembra-se
de Dona Chiquinha? A madrasta do Toninho? Mulher nota dez! Fazia uniforme de
olhos fechados. Pois é Zé, aqui se cobra para tudo. Tem taxa prá dedéu.
Escotismo de pobres já era hoje só prá ricos. Olhe se tem 300 piulas compra o
tal vestuário se não tem esqueça.
E Zé, nem sabe o que sinto
quando escrevo sobre o nosso escotismo. Chamam-me de ultrapassado e arrematam
que se o escotismo nosso foi bom e de hoje também é. Eu acredito sabe Zé tem
muitos chefes gente boa que faz escotismo de ótima qualidade, mas Zé precisa
ver alguns com suas ambições de assumir tal cargo e ser um formador. E a
Insígnia? Quem recebe acha que é o “dono do mundo”! Aquele nosso orgulho de se
apresentar a comunidade para que eles confirmassem nosso garbo nossa elegância
e nosso sorriso aqui não existe mais. Outro dia elogiei uns que usavam a tal
vestimenta e logo chegou seu Chefe todo bagunçado. Olhei de banda e olhe Zé
choveu reclamações. Mas o que fazer? Como posso aplaudir uniformes mal
postados, chefes que não se orgulham do escotismo de BP. Dizem que são
modernos, acataram o vestuário e usam com seu orgulho pessoal. E que orgulho!
Bem Zé, não posso me alongar
muito. Há tantas coisas a recordar, tantas coisas que queria comentar com você,
que nem sei por onde terminar. O tempo hoje Zé não é mais o nosso. Agora só se
fala em modernismo. Pois é Zé, sabe o que é moderno para mim? Aqueles
acampamentos aventureiros, aquelas jornadas incríveis que fizemos no Vale do
Sol, aquelas travessias em jangadas no Rio Jaguari. Lembra Zé quando fomos ao
ADIP? (Acampamento Distrital de Patrulhas). Levamos quatro patrulhas, chegamos
cantando e dizendo que aqui estava o Guará, a Lobo, a Touro e a Morcego. Foi
uma festa. Tudo feito por patrulha. Hoje Zé? Hoje é acampamento de férias de
ricos. Não precisa mais apresentar com patrulha, alguns tem a “quentinha”
outros restaurantes sofisticados. E o Chefe paga para se Staff.
E terminando Zé, eu
aqui vou indo, vou me divertindo, escrevendo minhas histórias, falando mal de
tudo que acho errado e ouvindo o que não quero ouvir. Que importa se sou
ultrapassado? Que importa que o estudado e o sem estudo também são escoteiros?
Que importa o dinheiro Zé se sem ele Baden-Powell construiu uma fraternidade
mundial? Zé meu amigo, aqui ninguém pergunta, ninguém consulta, ninguém
pesquisa. Os donos do poder agem e fazem o que querem. Impõe seus pensamentos
suas idéias e o mundo vai girando, a terra não vai parar, mas o escotismo? Zé
sempre pergunto, onde estão os resultados? Os resultados meu Deus! Só eles
importam. Mas existem Zé? Existem sim, ainda bem que gente como eu e você ainda
faz escotismo de verdade.
Chega Zé, vou
terminando, não sei se o Mané do Brejo, se o Tomé Esqueleto, se o Joaquim
Espoleta e o Mario cozinheiro ainda estão aí. Saudades deles. Quem sabe antes
do fim eu possa vê-los, dar aquele abraço cantar o Velho Rataplã e melhor,
acender um fogo e contar “causos” daqueles cabeludos quando você se apaixonou
pela Mariquinha da Fazenda do Nestor. Olhe diga ao Escoteirinho de Brejo Seco
que seus acampamentos são os melhores do mundo, diga a ele que quando crescer
mais ajunte seu rico dinheirinho e vai conhecer sem se decepcionar um Jamboree nacional.
Pelo menos Zé ele vai ver os Grandes Chefes atuais, com suas poses e sorrisos,
seu saber e sua sapiência. Não esqueço aquele sub campo de chefia na Beira do
Rio Jaguari com todos pulando no rio e alguém gritando: - Não sei nadar! Não
sei nadar!
Abraços a Sebastiana
sua esposa, Josefa sua filha e claro ao meu orgulho pessoal o Escoteirinho de
Brejo Seco. Sempre Alerta!
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