Conversa ao
pé do fogo.
Olavo Bilac
comenta sobre o escotismo em 1916.
(Copia fiel
do que foi escrito nesta data)
Nota sobre o autor:
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, 16 de
dezembro de 1865 — 28 de
dezembro de 1918) foi um jornalista,
contista (vide ''Contos Pátrios''), cronista e poeta brasileiro do
período literário parnasiano, membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Criou a
cadeira 15 da instituição, cujo patrono é Gonçalves
Dias.
Conhecido por sua atenção à literatura infantil e, principalmente,
pela participação cívica, Bilac era um ativo republicano e nacionalista,
também defensor do serviço militar obrigatório[1] em
um período em que o exército usufruía de amplas faculdades políticas em virtude
do golpe militar de 1889. O poeta foi o responsável pela criação da letra
do Hino à Bandeira, inicialmente criado para
circulação na capital federal da época (o Rio de Janeiro), e mais tarde sendo
adotado em todo o Brasil. Também ficou famoso pelas fortes convicções
políticas, sobressaindo-se a ferrenha oposição ao governo militar do
marechal Floriano Peixoto. Em 1907
foi eleito "príncipe dos poetas brasileiros", pela revista Fon-Fon.
Bilac, autor de alguns dos mais populares poemas brasileiros, é considerado o
mais importante de nossos poetas parnasianos.
“Trecho da Conferência realizada em Belo Horizonte,
em 26 de agosto de 1916. – Publicado em 1929 em Niterói pelas Oficinas Gráficas
da Escola Profissional Washington Luis”.
“A escola dos escoteiros, uma das células primárias do organismo da
educação cívica e da defesa nacional, tem um objetivo que se resume em breves
linhas”. É a educação completa dos adolescentes. O escoteiro, desde que se
inicia no tirocínio, anda, corre, salta, nada monta a cavalo, luta defende-se,
maneja armas; mantem-se num constante cuidado do asseio do corpo e da alma;
afasta-se da pratica de todos os vícios; adquirem noções de física, chimica,
botânica, astronomia, anatomia, geographia, topographia, astronomia; orienta-se
pelo sol, pela posição das estrelas, pelo relógio, pela bússola, manuseia o
termômetro e o barômetro, mede o caminho que percorre; estuda os mapas; sabe
acender o fogo e cozinhar; faz acampamento; recebe e transmite comunicações
pelos telégrafos Morse e Marconi, por meio de luzes, de sinais por bandeiras e
pelos gestos dos braços; instintivamente aprende tática e estratégia; pode
eficazmente socorrer feridos e vitimas de quaisquer desastres; alimenta e
desenvolve os seus nobres sentimentos; abomina a mentira; reputa sagrada a sua
palavra de honra; é disciplinado e obediente; é cortes; considera como irmãos
os seus companheiros, ampara as mulheres, os velhos os enfermos; opõe-se a
crueldade sobres os animais; é econômico, mas condena a avareza; respeitando a
própria dignidade, respeita a dignidade alheia; é alegre; esforça-se por dizer
claramente o que sente e exatamente descrever o que vê; pensa, raciocina,
deduz; e enfim, conhece a historia e as leis do seu pais; é patriota e estimula
a sua iniciativa.
Basta isso para que se veja que, no escotismo, se inclui todo ensino da
infância e da adolescência. “Como o compreendia Platão, dizendo: “a educação
tem por fim dar ao corpo e ao espírito a beleza e toda a perfeição de que eles
são susceptíveis”“. E como concebia Spencer, professando: - “a educação é a
preparação para a vida completa”. Esta admirável escola ao ar livre abrange
todos os pontos, que se contem no programa da moderna pedagogia. Primeiro,
a instrução física: a conservação ou o restabelecimento da saúde, pela higiene
e pela medicina e o desenvolvimento normal e progressivo de todas as funções de
corpo, pela ginástica e pelos jogos escolares. Depois, a instrução intelectual:
o adestramento dos cinco sentidos, a percepção externa e a interna, a cognição
e a experiência; a consciência, a personalidade, e a liberdade; a faculdade de
conservação - a memória; e as faculdades de elaboração - a atenção, a
abstração, a generalização, juízo, o raciocínio, e a imaginação.
Enfim, a instrução moral; a sensibilidade, e a sua cultura; o amor
próprio, o amor e o respeito da propriedade, foi livre arbítrio, da
independência, da emulação; o altruísmo, a benevolência, a beneficência, a
amizade, a docilidade; o amor da pátria, do belo e do bem; o brio, a coragem, a
disciplina; e a cultura da vontade, e a formação do caráter. E este curso
completo de adestramento é feito no seio da natureza, na alegria da vida
desportiva, pelo gosto próprio, pela pratica, pela lição das coisas. O
escotismo forma homens e, ainda mais, heróis. É a heroicultura. Em cada
escoteiro, no ultimo grau da iniciação, existe um "Agenor", no
sentido do vocábulo grego: Homem de coração.
Há pouco tempo, em São Paulo, um educador, o Sr. João Kopke, numa
conferencia, lembrou que os antigos gregos davam aos ephebos, "sem ensino
especial de civismo, meios de cultura própria, apenas por um programa limitado,
entre os sete e os dezoito anos, formando uma boa e bela forma de homem, com a
sua inteligência, os seus sentimentos e o seus corpos treinados”. Não era
aquele ensino da ephebia o mesmo ensino que hoje damos aos escoteiros? Mais
ainda: o juramento do escoteiro no primeiro grau de iniciação, e os doze
artigos do Código do escotismo são uma reprodução aproximada da afirmação, que
os efebos espartanos e atenienses prestavam, quando, perante os magistrados,
recebiam a lança e o escudo: "Nunca aviltarei estas armas, nem abandonarei
o meu companheiro na fileira; combaterei pela defesa dos templos e da
propriedade; respeitarei as leis; e transmitirei a minha terra própria, não só
menor, porem maior e melhor do que me foi transmitida".
Mas o juramento e o código do escoteiro tem mais larga e mais bela
significação do que a formula dor efebos. A moral e o governo de Esparta e de
Atenas estreiteza e secura de egoísmo. Se quiserdes dar ascendência legitima, e
foros e brasões de altas nobrezas a moderna criação do escotismo, deveremos
radica-lo na tradição medieval da Cavalaria Andante. O grande ímpeto de
desapego, de liberdade, de coragem e de altruísmo, que dispersou os cavaleiros
andantes pelo mundo, foi o mais belo serviço da idade média. Os abusos da
cavalaria não a mataram. Os exageros de uma virtude matam-se a si mesmos; e
deixam viva e inalterável a força da alma que foi exagerada. Também, sobre o
curso dos rios nas cidades despejam todos os dejetos da sua vida; a água,
turvada e infamada, aceita com resignação a afronta; mas, em breve, libertada
do contato dos centros populosos, na sua incessante agitação, torvelinhando
sobre o leito de pedra e musgos, expurgando-se com o banho do ar livre,
abluindo-se em si mesma, é daí a mesma linfa imaculada, reproduzindo a clareza
e a virgindade da nascente.
Assim, o sentimento de honra, que inspirava os paladinos. Que era aquela
instituição? Uma exaltação da alma, que impelia para a gloria, para a justiça e
para o desinteresse: os heróis errante eram bravos e pródigos, destemidos e
puros: respeitavam e protegiam os fracos, defendiam as viúvas e os órfãos,
subjugavam a tirania insolente, veneravam a mulheres e davam ao amor um culto
religioso... Morreram os abusos, mas a essência sublime ficou... Enquanto
houver brio e bondade no mundo, sempre haverá cavaleiros andantes. No escotismo
- e é esta a sua maior e mais verdadeira beleza - a exaltação reveste-se de um
distintivo prático, sem perder a sua poesia sublime. Na Cavalaria, às vezes, a
idéia de honra era vaga: a da generosidade, indecisa; a da abnegação, indeterminada;
às vezes, era o sacrifício perdido, a bravura sem proveito, a dedicação inútil.
No escotismo, a idéia da honra define-se: é a honra do indivíduo, a honra do
cidadão; o desinteresse e a magnanimidade não são apenas gestos formosos; são
ações justas e úteis - justas para a perfeição humana, e úteis para a grandeza
da Pátria.
Tal é, em suas linhas
fundamentais, a criação do escotismo. A vos, meus companheiros de trabalho
literário, cumpre a tarefa da propaganda, da organização e da direção em Minas,
da nova heroicultura, linha de Baden Powell.
Nenhum comentário:
Postar um comentário