Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA - Fasc. 59



O MISTERIOSO CASO DO CHEFE ESTRADA - Fascículo 59

Recebi um recado da Vovó. O "Velho" tinha passado mal e estava internado na UTI de um hospital próximo. Meu coração bateu forte. Uma tristeza invadiu meu coração. O "Velho" era tudo para mim. Meu pai, meu irmão mais velho, meu “Guru” escoteiro.

            Não perdi um segundo. Fui imediatamente para o hospital. Uma bela surpresa me esperava. Dezenas de escotistas lá estavam à procura de notícias do "Velho". Entrei cumprimentando a todos e procurei a Vovó que estava com sua filha e mais algumas amigas, todas do Movimento Escoteiro. Vovó me disse que estava tudo bem com ele. Resolveu fumar de novo seu cachimbo e a fumaça o fez perder o fôlego. Achou melhor trazê-lo e está na UTI somente para observação e fazer inalação.

           Fui até a o hall de entrada e avisei a todos que o "Velho" estava bem. Gritos de “Urras”, “Anrê” e uma grande palma escoteira se fez ouvir. Todos se abraçaram sorrindo. O "Velho" era muito querido. Eu me emocionei com tamanha fraternidade e dedicação. Fiquei no hospital até de manhã. Deram alta para o "Velho" e eu o levei para casa. No retorno ele com sua costumeira hospitalidade e agradecimento, me olhou e disse com aquela maneira sua tão peculiar – Achou que eu ia morrer hem? Enganou-se. Não vou morrer agora. Você vai ter de esperar muito mais tempo. Devolva a coroa de flores que comprou! – Sua festa fica para depois! É só o "Velho", ele tinha esse direito.

À noite quando voltei do trabalho, fui logo ver como estava o "Velho". Lá estava ele, em sua poltrona de vime favorita, a ler o livro "Crime e Castigo" de Dostoiévski. Na sua vitrola antiga, ouvia Der Hoelle Rache, ária da Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica, e de 1º movimento, allegro, da Pequena Serenata Noturna. O "Velho" sabia escolher. Wolfgang Amadeus Mozart, nada mais que Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart seu nome de batismo.

         Ficamos ali por horas ouvindo a bela melodia de Mozart. Ele de olhos semicerrados e eu no meu banquinho de madeira de três pés encostado a parede. Adorava Mozart. Gostaria de ter nascido naquela época. Se pudesse iria ficar eternamente em Salzburg na Áustria, e vê-lo interpretar suas mais de 600 obras. É reconfortante poder sentir a magia de tão grande compositor.

       Sonhava na minha viagem impossível ao passado, quando o "Velho" falou algum que não entendi. – Pois não "Velho", não entendi. Pode repetir? – Estava aqui meditando e lembrando do Chefe Estrada, disse. Você não o conheceu. Fizemos a Insígnia Sênior juntos. No sexto dia, ele desapareceu. Sua tralha estava lá na barraca. Parecia que não havia levado nada se realmente tivesse partido. Interrompemos tudo para dar uma busca nas redondezas.

       Durante toda a tarde o procuramos. À noite o Diretor do Curso foi até a delegacia próxima fazer um boletim de ocorrência. O delegado sorriu e disse que aguardássemos até o dia seguinte. E ele iria aparecer. Achou que o Chefe Estrada era um mulherengo e conheceu alguma mulher. Era dar tempo ao tempo e ele iria aparecer. Mas passou toda a manhã do dia seguinte e o Chefe Estrada não apareceu. Ligaram para a telefonista de sua cidade (1952, poucos telefones) e ela disse que o conhecia. Iria ver se ele estava lá.

       - Já ia anoitecendo quando o Chefe Estrada chegou. Não disse nada. Procurou o Diretor do Curso e se colocou a disposição para que fosse excluído do curso já que saiu do campo sem avisar. Não quis explicar, mesmo sendo inquirido. Tinha um semblante sério e compenetrado. O Diretor de Curso já o conhecia de longa data. Mandou ele de volta a sua patrulha. Soube depois que foi aprovado. Ninguém ficou sabendo o que ouve.

       - Um dia, se não me falha a memória, encontrei o Chefe Estrada em um acampamento internacional de patrulhas no Chile. Faz anos. Muitos. Ele estava como dirigente do campo sênior. Sempre fomos muito íntimos é claro, a alegria estava estampada em cada um de nos. Velhos escotistas se encontrando, cumprimentando, dois chefes escoteiros amigos cuja fraternidade era ponto de honra.

       A noite chegou de mansinho. Não perdi tempo. Perguntei para o "Velho" o que havia acontecido ao chefe Estrada. Afinal ele começou e me deixou em suspense para saber sobre o misterioso caso. – O "Velho" não se fez de rogado. Suspirou fundo, se ajeitou melhor em sua poltrona de vime, olhou para o teto, e contou o pouco que sabia, pois o Chefe Estrada não era muito palrador.

     - Bem conforme dizia estava eu em uma Acampamento Internacional de patrulhas no Chile. Depois de ledices e alegrias pelo encontro, fomos até a cantina do campo, onde serviam cafés, doces e salgados. Bebidas somente refrigerantes. Procuramos um local agradável, próximo a uma araucária gigante, frondosa, e ali conversamos por longo tempo. A principio o Chefe Estrada não quis se abrir comigo.

     - Me contou que durante vários anos andou por vários estados brasileiros, pois fora admitido em uma multinacional alemã, e seu trabalho de campo (engenheiro de minas) requeria viagens em locais inóspitos, e passava a maior parte do seu tempo em minas de extração de minérios. Narrou-me um fato pitoresco, quando foi seqüestrado por uma tribo de índios Caiapós, próximo a fronteira do Pará com Mato Grosso, na região do rio Xingu.

    - Dizia o Chefe Estrada que por motivos profissionais estava fazendo uma pesquisa de um veio muito grande de bauxita. Ele se sentia bem ali, sempre gostava da vida ao ar livre. O escotismo o ensinou muitas coisas.

    - No oitavo dia à tarde, o sol se pondo e de súbito apareceram dezenas de índios Caiapós. A principio foram cordiais e afáveis. Depois exigiram que os acompanhássemos. Chegamos à comunidade deles, um aldeia com uma praça central e ao redor casas de cada família. O “Benadióro”, chefe de turma no entender deles me levou até ao cacique. Magro, com o corpo todo pintado, me recebeu com um sorriso. Disse que ficaria ali até o homem branco da Estrada de Ferro viesse conversar com ele.

Foram oito meses de um lindo cativeiro, onde vivi e aprendi memoráveis aventuras, de caça, de pesca e grandes jornadas na selva. E olhe o que mais adorava era fazer pioneiras. Tinha tempo. E muito tempo. Construí um ninho de águia em uma seringueira, que tinha mais de 20 metros de altura. Aproveitei uma queda d’água próxima alta e em arvores enormes com bambus gigantes fiz um elevador movido à água! Foi maravilhoso. Claro tinha comigo vários assistentes. Os jovens da aldeia eram companhias constantes. Meus amigos. Cheguei mesmo a organizá-los em patrulhas, mas não deu certo. Eram deliciosos moleques travessos, só viviam sorrindo e brincando.

O governo mandou vários representantes da empresa para negociarem com os índios. Eu não me preocupava. Gostava dali, vivia com um povo simples, sem ódio, sem rancor, sem inveja, ninguém queria ser superior, a amizade era ponto de honra e as leis, todas muito simples e obedecidas com carinho. Olhe, quando chegaram a um acordo, preferi continuar ali. Pedi demissão da empresa. O cacique Babitonga era uma grande pessoa. Disse que eu era bem vindo.  Até fez meu casamento com a jovem índia Guaraci. Já éramos par constante. Eu e ela ficamos juntos por todo esse tempo que ali permaneci.

  - Mas dizem que tudo que é bom dura pouco. Uma manhã de setembro fui informado que minha mãe estava nas ultimas. Esse telegrama chegou as minhas mãos na aldeia um mês depois. Despedi de todos, Guaraci não quis ir comigo. Disse a ela que seria difícil minha volta. Mesmo assim preferiu continuar entre os seus. Disse-me que os homens brancos não se conhecem, são estranhos. Concordei com ela. Ainda bem que não tivemos filhos.

 Minha mãe já havia falecido quando consegui chegar a Iworth, em Cheshire na Inglaterra. Cumpri as cerimônias de praxe, pois ela era de família simples e não havia nenhuma herança a não ser sua casinha que vendi. Retornei ao Brasil poucos meses depois, após passar uns dias com meus amigos Makuxis e Wapixana em Kwazulu, na África do Sul..

Fiquei ali olhando para o Chefe Estrada e ele se fazendo de desentendido. Agulhei-o novamente. – Vamos homem, diga! Afinal não deve ter sido tão importante assim. – Olhe meu amigo, passei poucas e boas nessa vida, mas você sabe mentir não faz parte do meu feitio. Foi uma aventura tão inverossímil, que preferi mantê-la no anonimato. Mas vou contar para você. Se mostrar incredulidade, paro.

      - Não disse nada. Continue falei. – Olhei para ele, ele suspirou e começou uma história incrível. Ouçam-na – Logo após terminar a sessão das duas no curso, pedi ao dirigente para ir ao banheiro. Fui naquele lá no inicio do campo. Ao atravessar a trilha, vi um brilho intenso. Perdi o sentido. Acordei em uma cama enorme, Ao meu redor, pessoas estranhas, escuras, parecendo formigas gigantes com duas pernas. – Caramba! Pensei. O que tinha acontecido? Onde estava?

     - Respirei fundo. Seria verdade? – Chefe Estrada me olhava, querendo parar de narrar, mas meus olhos, minha atenção não deixava nenhuma dúvida. Começou termina. – Olhe meu amigo dizia, eu tinha sido abduzido. Você sabe, estava em uma grande nave, onde? Não sabia. Em algum lugar do espaço. Os ETs me olhavam e sentia que tinha agulhas em todo corpo. Minha mente parecia estar exposta. Ouvia-os falando e não entendia, eles pareciam saber o que eu pensava.

      - Acredite, eu olhava em volta, paredes circulares e o teto também com iluminação indireta. Uma luz estranha. Eles telepaticamente falavam comigo, para não preocupar, não iriam me fazer mal. Não demorou muito, me levantei, me sentia forte, eles não se opuseram. Em sua maneira, me contavam de onde eram. Um planeta distante que vocês o chamam de Ogle-TR-56b mais de cinco mil anos luz da terra, mas que eles cruzavam o espaço em velocidades que a mente não pode medir.

     - Olhava para o chefe Estrada e não sorria. Poderia ser verdade. – Ele continuou – Me disseram que ficamos mais de um mês no espaço e quando voltasse a terra, seriam menos de vinte quatro horas. Levaram-me até um local envidraçado. Um espetáculo. A nave parecia estar parada e milhões de estrelas passavam como um raio, uma profusão de luzes brilhantes e cintilantes, em um panorama incrível. Ver tudo aquilo compensava todas minhas pequenas dores que ainda sentia pelo corpo.

     - Me levaram depois a um salão, sem móveis, se despediram que não me preocupasse que iriam apagar tudo aquilo da memória e eu não ia lembrar-me de nada. Pedi que não fizessem aquilo. Não podia esquecer. Eles na tinham esse direito. Entreolharam-se e balançaram a cabeça concordando. Minha mente ficou nevoada. Desmaiei. Acordei no mesmo local. Daí para frente você sabe o fim da historia. Não podia contar a ninguém. Tinha prometido isso a eles.

    - A historia do chefe Estrada foi emblemática. Tinha ouvido historias assim, mas não acreditava. Agora não. Ele era um escoteiro. Desde criança. E o escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais que sua própria vida. Ele se calou. – O "Velho" não falou mais nada. Fiquei ali parado olhando para ele, e vi dentro dos seus olhos lembranças do passado. – Ele abruptamente me olhou e disse – Olhe, nunca mais vi o Chefe Estrada. Não sei onde anda, se está vivo, ou se voltou para sua linda Guaraci junto aos Caiapós. Se ele voltou deve estar lá se divertindo, fazendo o seu escotismo junto a índios amigos. Olhe, eu o invejo. Hoje estou aqui, sem respirar o ar puro da mata, sem ver a força de um rio caudaloso, sem poder ver o sol nascer atrás de uma montanha. Daria minha vida para mudar tudo isso.

    - O silencio reinou. Eram mais de onze da noite. Amanhã era outro dia. Ia me despedir do "Velho", mas ele estava com os olhos semicerrados, ouvindo Mozart. Symphony No. 32 em Sol Maior. Sai de mansinho sem fazer barulho. A Vovó estava na varanda, em sua cadeira de balanço a tricotar. Levantou-se, disse até logo e me fui, sorrindo pela rua deserta.

    Gosto do "Velho" tenho por ele grande apreço. Meu pai que Deus o tenha, iria se orgulhar também. Estava caminhando pela rua deserta, pensado no "Velho" nos seus conhecimentos escoteiros e nem olhei para os lados ao cruzar a esquina de minha casa. Uma forte buzina se fez ouvir. Saltei para o lado e um automóvel passou em disparada. Ufa! Quase dessa vez. Os dias irão passar e eu espero sempre o amanhã. Adoro estar com ele. Não só pelos seus conhecimentos escoteiros, mas pela grande pessoa que é. Valeu a pena conhecê-lo. Sinto-me realizado pela sua amizade. Eu realmente tenho um grande amor por esse "Velho" Escoteiro.  

Um comentário:

  1. Muito lindo! Parabéns! Att.Daniel Benkenstein GE 013 RS Hans Staden

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