Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sexta-feira, 8 de julho de 2016

E Mowgly foi aceito na Alcatéia de Seeonee.


Histórias de Seeonee.
E Mowgly foi aceito na Alcatéia de Seeonee.

- Shere Khan está com direito neste ponto disse Pai Lobo. O filhote de homem tem de ser apresentado à alcatéia para que os lobos decidam da sua sorte. Queres conservá-lo contigo? - Sim, respondeu de pronto à loba. Ele veio nuzinho, de noite, só e faminto. Não mostrou o menor medo. Olha! Lá está puxando um de nossos filhotes... E pensar que por um triz aquele carniceiro aleijado não o matou aqui em nossa presença, para depois, escapar-se do Waiganga, enquanto os camponeses estiverem caçando em nossas terras! Conservá-lo comigo? Pois decerto! - e, voltando-se para a criança nua: Dorme sossegada, pequena rã. Dorme Mowgli, pois assim te chamarei doravante, Mowgli, a Rã. Dorme que tempo há de vir em que caçaras Shere Khan, como te quis ele caçar ainda há pouco. - Mas que dirá a alcatéia? Indagou Pai Lobo, apreensivo.

A lei do Jângal permite que cada lobo deixe a alcatéia logo que case. Mas, assim que seus filhotes desmamem, os pais têm de leva-los ao Conselho, geralmente reunido uma vez por mês durante a lua cheia, para que os outros fiquem conhecendo e os possam identificar. Depois dessa apresentação os lobinhos, entram a viver livremente podendo andar por onde quiserem. E até que hajam caçado o primeiro gamo, nenhum lobo adulto tem o direito de mata a um deles, por qualquer motivo que seja a pena contra esse crime consiste na morte do criminoso. Assim é, e assim deve ser. Pai lobo esperou que seus filhotes desmamassem e, então, numa noite de assembleia, dirigiu-se com Mãe Loba, Mowgli e seus filhotes para o ponto marcado, a Roca do Conselho, um pedregoso alto de montanha, onde cem lobos poderiam ajuntar-se. Akela, o Lobo Solitário, que chefiava o bando graças a sua força e astúcia, já lá estava sentado na sua pedra, tendo pela frente, também sentados sobre as patas traseiras, quarenta ou mais lobos de todos os pelos e tamanhos, desde veteranos ruços, que podem sozinhos carregar um gamo nos dentes, até jovens de três anos que julgam poder fazer o mesmo.

O Solitário, os chefiava, ia fazer um ano. Por duas vezes caíra em armadilhas, quando mais jovem, e numa delas viu-se batido a ponto de ficar por terra, como morto. Em virtude disso tinha experiência da malícia dos homens, sua tática e jeitos. Houve pouca discussão na assembleia. Os filhotes que vieram para ser apresentados permaneciam no meio do bando, ao lado de seus pais. De vez em vez um veterano chegava-se até eles, examinava-os cuidadosamente e retirava-se. Ou então uma das mães empurrava o pequeno para o ponto onde pudesse ficar bem visível, de modo que não escapasse às vistas de toda a alcatéia. Do seu rochedo Akelá dizia: - Vós conheceis a lei. Olhai bem, portanto, ó lobos, para que mais tarde não haja enganos. E as mães, sempre ansiosas pela segurança dos filhos, repetiam: - Olhai bem, ó lobos. Olhai bem.

Por fim chegou à vez de Mãe Loba sentir-se aflita. Pai Lobo empurrava Mowgli, a Rã, para o centro da roda, onde o filhotinho de homem se sentou, sorridente, a brincar com uns pedregulhos ao luar. Sem erguer a cabeça de entre as patas, prossegui Akelá no aviso monótono do "Olhai bem, ó lobo", quando ressoou perto o rugido de Shere Khan: - Esse filhote de homem é meu! Entregai-me! Que tem o povo livre com um filhote de homem? Akelá sempre impassível, nem sequer pestanejou. Apenas ampliou o aviso: - Olhai bem, ó lobos. O povo livre nada tem a ver com as opiniões dos que não pertencem à sua grei. Olhai, olhai bem. Ouviu-se um coro de uivos profundos, do meio do qual se destacou, pela boca de um lobo de quatro anos, que achara justa a reclamação do tigre, esta pergunta: - Sim, que tem a ver o povo livre com um filhote de homem? A lei do Jângal manda que, em casos de dúvida de alguém ser admitido pela alcatéia, seja este direito defendido por dois membros do bando que não sejam seus pais.

- Quem se apresenta para defender este filhote? Gritou Akela. Quem, no povo livre, fala por ele? Não houve respostas, e Mãe loba preparou-se para luta de morte, caso o incidente tivesse desfecho contrário ao que seu coração pedia. A única voz, sem ser de lobo, permitida no conselho era a de Baloo, o sonolento urso pardo que ensinava aos lobinhos a lei do Jângal, o velho Baloo que podia andar por onde o aprouvesse porque só se alimentava de nozes, raízes e mel, além de que sabia pôr-se de pé sobre as patas traseiras e grunhir. - Quem fala pelo filhote de homem? Eu. Eu me declaro por ele. Não vejo mal nenhum em que viva entre nós. Embora não possua eloquência, estou dizendo a verdade. Deixai-o viver livre na alcatéia como irmão dos demais. Baloo lhe ensinará as leis da nossa vida. - Outra voz que se levante, disse Akela. Baloo já falou Baloo, o mestre dos lobinhos. Quem fala pelo filhote, além de Baloo? Uma sombra projetou-se no círculo formado pelos lobos, a sombra de Bagheera, a pantera negra, realmente cor de ébano, com vivos reflexos de luz na sua pelugem de seda.

Todos a conheciam e ninguém se atravessava em seu caminho. Bagheera era tão astuta como Tabaqui, tão intrépida como o búfalo e tão incansável como o elefante ferido. Tinha, entretanto a voz doce como mel que escorre dum galho e a pele mais macia do que o veludo. - Ó Akela e mais membros do povo livre! Direito não tenho de falar nesta assembleia, mas a lei do Jângal diz que, se há dúvida quanto a um novo filhote, pode a vida dele ser comprada por um certo preço. A lei, entretanto, não declara quem pode ou não pagar este preço. Estou certa? - Sim, sim! Gritaram os lobos mais moços, eternamente esfaimados. Ouça Bagheera. O filhote de homem pode ser comprado por um preço. É da lei. - Bem, disse a pantera. Já que me autorizais a falar, peço licença pra isso.

- Fala! Fala! Gritaram trinta vozes.
> - Matar um filhotinho de homem constitui pura vergonha, além de que ele pode ser útil a todos nós quando crescer. Em vista disso, me junto a Baloo e ofereço o touro gordo que acabo de matar a menos de milha daqui como preço de o receberdes na alcatéia, de acordo com a lei. Aceitais a minha proposta? Houve um clamor de dezenas de vozes que gritaram: - Não vemos mal nisso. De qualquer maneira ele morrerá na próxima estação das chuvas, ou será queimado pelo sol, que dano nos pode fazer vida desta rãzinha nua? Que fique na alcatéia. Onde está o touro gordo, Bagheera? Aceitamos tua proposta. Cessada a grita, ressoou a voz grave de Akela:

- Olhai bem, ó lobos.
Mowgli continuava profundamente absorvido pelos pedregulhos, sem dar nenhuma atenção aos que dele se achegavam para ver bem de perto. Por fim todos de dirigiram para onde estava o touro gordo, ficando ali apenas Akelá, Bagheera, Baloo e o casal de tutores do menino. Shere Khan urrava de despeito por ter perdido a presa cobiçada. Urra, Urra! Rosnou Bagheera, entre os dentes. Urra que tempo virá em que esta coisinha nua te fará urrar noutro tom, ou nada sei sobre homens. - Está tudo bem, disse Akelá. O homem e seus filhotes são espertos. Poderá este vir a ser de muita vantagem para nós um dia. - Certamente, porque não podemos, eu e tu, ter a pretensão de chefiar o bando toda a vida, juntou Bagheera. Akela calou-se. Estava a pensar no tempo em que os chefes de Alcatéias a sentir peso dos anos. A força dos músculos vai em declínio até que outro surge que o mata e fica o novo chefe, para decair também há seu tempo.

- Leva-o, disse Akela a Pai Lobo, e trata de educá-lo para que seja útil ao povo livre.

Eis como entrou Mowgli para a alcatéia: à custa dum gordo e por iniciativa das palavras de Baloo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário