Heitor.
- Chefe, o senhor é feliz? –
Ele não me respondeu. A melodia de Paganini tocava The Best of Tchaikovsky.
Seus olhinhos pequenos tentavam me ver e eu sabia que sua catarata eram sombras
a perscrutar naquela saleta pequena quem era eu. – Sua voz em tom melodioso me
disse: - Sabia que Paganini era capaz de tocar à espetacular velocidade de doze
notas por segundo? Eu não sabia. Só tinha lido que foi o violinista italiano
que revolucionou a arte de tocar violino. – Ele riu com meus pensamentos. Pois
é Paganini dizem seus críticos vendeu a alma ao Diabo em troca da perfeição
musical. E eu? Ele completou. Eu não vendi para ninguém e você me pergunta da
felicidade. Sabe que a vida me ensinou que chorar alivia, mas sorrir torna tudo
mais bonito. Olhei para ele. No fim da vida, sozinho naquela saleta sem ninguém
para o acompanhar. – Menino escoteiro! Não estou sozinho! Rosinha sempre esteve
comigo e nunca me abandonou. – Quem era Rosinha? Lancei a pergunta no ar.
- Não sabes? Minha eterna
companheira que Deus a levou sem me perguntar. Mas eu entendi. Fazia parte do
meu destino, escrito no meu livro da vida. Eu sempre soube que ser feliz não é
viver apenas momentos de alegria. É ter coragem de enfrentar os momentos de
tristeza e sabedoria para transformar os problemas em aprendizado. Eu recebia
uma lição de vida. Eu sabia que ele fora um grande Chefe, daqueles chamados
Velho Lobo, que deu sua vida por um movimento que acreditou. – Dei minha vida?
Ele parecia ler minha consciência. – Não dei e sim recebi. Quantas vezes nos
acampamentos eu dizia para mim: - Chefe que o vento leve, que a chuva lave que
a alma brilhe que o coração acalme que a harmonia se instale e a felicidade
permaneça. Eu conversava com as arvores, com o vento, e as estrelas me contavam
histórias. Isto não é felicidade? – Mudei de tema. Chefe recebe ainda muitos
amigos escoteiros do passado? – Ele sorriu. Tentou levantar da cadeira e não
conseguiu.
Disseram-me que passava dos noventa anos e que sempre fora Escoteiro
desde os seis. – Ele tentou me ver através daqueles olhos opacos, seus ombros
caídos tentavam se levantar para dar uma aparência mais digna e garbosa. –
Amigos? Ele sempre parecia adivinhar o que eu pensava. – Menino Escoteiro
amizade verdadeira não é ser inseparável. É estar separado, e nada mudar. Eu
entendo. Cada um tem sua vida. Não podemos fazer da nossa a deles. Se a vida te
vira do avesso só para provar que a felicidade vem de dentro para fora temos que aprender que
as crises não afastam os amigos. Apenas selecionam. Nada mais havia a dizer. –
Ele em tom fraterno me disse: Me ajude a vestir meu uniforme? – Assustei. Por
quê? Perguntei. – Saudades. Muitas. Ainda quero me ver dentro do meu verdadeiro
eu. Um Escoteiro tem de aprender que ser forte é a única escolha.
O espelho mostrava um homem cuja
idade era demais para viver. Olhinhos opacos, sulcos na face, mas ele fazia
questão de colocar seu chapéu galhardamente. Admirei seu estilo do lenço. Ele
se virou olhou dentro dos meus olhos e disse: - Sempre Alerta menino Escoteiro,
lhe dedico minha saudação, meu aperto de mão. Ser humilde não é ser menos que
alguém. É saber que não somos mais que ninguém! Parti com olhos cheios de
lágrimas. Conheci alguém que sempre sonhei em ser. Agora eu sabia que minha
vida seria outra. Eu sabia que a bondade é a língua que o surdo pode ouvir e o
cego pode ver. Chefe Heitor era meu herói. Como a blefar em minha mente, ele na
porta escorado em uma bengala falou calmamente: - Para
toda malícia, tem uma inocência. Para toda chuva, tem um sol. Para toda
lágrima, tem um sorriso. Seja quem você é e viva feliz! Os últimos acordes do
violino de Paganini tocavam harmoniosamente no lusco fusco daquela tarde
inesquecível.
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