Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Em busca da felicidade.
Tem um perfume de saudades escoteiras no ar!
- Hoje
depois de varias noites mal dormidas, acordei como se estivesse em um acampamento
escoteiro. Gosto disto. Dá gosto olhar a lona ainda enxovalhada e o ar do campo
insubstituível. Olhar de lado meus amigos ainda dormindo, ver lá fora o som de
uma cascata, um bem ti vi cantante, um grito dos macacos prego guinchando nas
árvores. Dormia como uma pluma sem dores sem falta de ar. Era assim nos
acampamentos. Saudades... Muitas. Vontade de voltar no tempo.
-
Meus acampamentos naquela época ainda não tinham o espirito de Gilwell. Nem sabíamos
o que era ou significava. Tudo era tratado em noites de quinta ou sexta na sede
ou em casa de alguém. Vamos? Vamos. Onde? Onde o vento nos levar... Ração B
para dois dias. Todos sabiam o que significava. Dois almoços, uma janta, dois
cafés e o que faltasse o campo iria fornecer. Frutos do campo, maxixe, taioba, Lobrobô
e peixes. Peixes? Todos eram peritos em pesca. Fumanchu o nosso cozinheiro
sabia o que fazer. Ninguém reclamava da “boia” e ninguém pedia comida extra.
Cada um tinha um bornal extra para levar as tralhas do campo. Barraca de duas
lonas no costado e lá íamos nós.
-
Acampar toda tropa era também diferente. Não sabia se o Chefe Jessé tinha
programa. Ele gostava de um apito. Cinco e meia da madrugada e lá estava a
chamar para a física. A Patrulha tinha de ir completa, nada de gatos pingados
chegando. Era exigente, Romildo o Monitor mais antigo era o Guia. Fazia questão
de cumprir todos os exercícios como exemplo aos demais. A bandeira era as nove
em ponto. Nem um minuto a mais. Antes uma rápida inspeção sem pontuação.
- Eu
adorava as noites de campo. O Chefe Jessé gostava de uma conversa ao pé do
fogo. Contava causos de sua vida na estrada de ferro, da vida de Baden-Powell e
confesso que acho que ele inventava muito (risos). Sempre o bule de café, um biscoito
de polvilho e canções gostosas para cantar. Os fogos de conselho não tinham animador.
Era tudo espontâneo. A Patrulha preparava algum e avisava as outras. Boas
risadas com o Serafim, com o Pintor de Paredes e tantas “patacas” inventadas na
hora. A cadeia da fraternidade era mais alegre. Nada de choro. Coisa de homens.
-
Houve uma época que ele trouxe uma ideia de fazer uma disputa entre patrulhas e
a exigência foi maior. Mostrou quatro bandeirolas de couro, com letras em fogo
escrito: Padrão de Eficiência. Todas as patrulhas podiam receber. Foi
espetacular. Eu gostava dele apesar de não ser muito afável no contanto com a
tropa. Chegava na sede, apitava, formava, bandeira (a Patrulha de serviço já
tinha tudo preparado) E depois os mesmos jogos, briga de galo, salto do
papagaio, quebra canela, Macaco Disse e luta do Scalp. Eu adorava a briga de galo.
- Tínhamos
liberdade para acampar. Bastava procurá-lo em seu escritório na sede da Estrada
de Ferro Vitória Minas. Passagens de graça e ele nunca dizia não. Andávamos até
em trem de carga. Ele confiava, era uma época que se confiava nos jovens
diferente de hoje. Quando as patrulhas acampavam não tinha reunião. Quase todas
sempre iam para o campo pelo menos uma vez por mês.
- Os
pais confiavam nos filhos. Eu tinha um pai e uma mãe que dificilmente dizia
não. Só em casos extremos. Era bom sair pela manhã ou à noite, mamãe no portão
dando adeus. Meu pai não, era mais caladão. Na volta sempre eles no portão a me
esperar (mamãe e minhas duas irmãs). Só mais tarde quando fiz meu primeiro
curso escoteiro foi que vi a programação de um acampamento nos moldes de
Gilwell Park. Logo ao voltar (já era Chefe aos dezoito) chamei os monitores e
expliquei como era. – Vamos fazer um Chefe?
-
Foi demais. Todos vibraram. O tempo foi passando e até o final de 1992 ainda
fazia questão dos meus acampamentos de Gilwell. Aprender a fazer fazendo. Tive
a honra de ter grandes patrulhas nas tropas que colaborei. Bons monitores bem
preparados. Alguns não saiam de minha casa e eu era amicíssimo dos pais deles.
-
Hoje sei que muitos dizem que isto não é mais possível. Não sei. Acho que nem
tanto mar nem tanto terra. Um bom acampamento de Gilwell tem sim lugar em qualquer
tempo. Basta o Chefe saber programar e saber realizar. Fico triste ao ver
notícias que estão a processar chefes por tratar mal seus escoteiros. Acho que
isto não acontecia em minha época. Dávamos valor à amizade, ao respeito e a
disciplina.
-
Não sei se tantos cursos pedagógicos e visando dar informações das novas metodologias
educacionais tem mais valor sobre os cursos técnicos. Não estou junto, não estou vendo os
resultados. Só o futuro dirá. Eu no entanto gosto de lembrar meu tempo de
menino, chapelão, Vulcabrás e pé na estrada. Não pode mais? Se eu tivesse
forças iria mostrar que pode, basta querer.
Nota
– Nestes tempos de velhice, às vezes a saudade aperta, a vontade voltar no
tempo cresce e a gente se põe a lembrar. Um amigo disse que em qualquer época
os escoteiros sempre irão lembrar de sua época. Concordo, mas a minha foi uma
das partes mais lindas da minha vida. Espero que os de hoje quando chegarem nos
tempos da terceira idade possam recordar assim como eu nos dias de hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário