Crônicas de
um Velho Chefe Escoteiro.
As velhas
tralhas escoteiras que amei.
Prólogo: - A
modernidade chegou, se gasta os tubos para ter um material completo de Patrulha.
Se o intendente não é dos bons em pouco tempo tudo está perdido, estragado, com
ferrugem ou é deixado displicentemente em qualquer lugar onde foi usado. Mas
temos que seguir a trilha do moderno, faz parte. Haja dinheiro para gastar!
- Houve um tempo e põe
tempo nisso, eu participava de uma Patrulha de amigos e irmãos que hoje estão
no céu. Da Patrulha Lobo era o terceiro escoteiro Escriba com muito orgulho.
Foi uma época de liberdade, de escotismo alegre e solto, daqueles que ao passar
um fim de semana na sede dava uma canseira e uma moedeira que o próprio Chefe Jessé
sorria sabendo o que estávamos a pensar e desejar. Acampar, excursionar e
aventurar por aí. Exigente dificilmente dizia não. Se uma Patrulha quisesse
acampar ele anotava onde, quando e se tínhamos permissão do dono do lugar. Às
vezes nos visitava na sua Philips negra e era uma graça o ver batendo pedal nas
horríveis trilhas do lugar. No nosso saco de Patrulha feito com saco de estopa,
do mais usado e que aguentava tranco, ganho no Armazém do Grilo do Senhor
Pastor, cabia toda nossa tralha de sapa e de cozinha. Com um idêntico fazíamos
o nosso colchão. Era só encher de folhas e capim seco. Se precisássemos de uma
panela, de um caldeirão ou de uma frigideira era só ver se a mamãe de alguém
tinha para doar. Tudo muito simples, poucas noites, uma caçarola e caldeirão
bastavam. Sete itens para levar distribuídos entre os patrulheiros. Éramos
preparados, podíamos dizer que todos tinham a marca do bom acampador e nem
precisa de lista ou lembrar.
- Lembro quando
acampamos em Conselheiro Pena, um grupo novo, cheio da grana, Luiz Antônio
filho do Doutor Mateus e prefeito, nos mostrou um conjunto de panelas que seu
pai comprou. Lindo! Uma encaixada na outra, um jogo de tirar o cozinheiro da
sua sina de panelas sujas, sebentas onde o Bombril ainda não existia e a areia
era o capacho para limpar. Olhei para as panelas brilhantes de um alumínio reluzente
e pensei: - Valeria a pena? Mas o preço oh! No segundo dia na inspeção perderam
ponto, pois as panelas amassaram e o encaixe deixou de existir. O tempo passou,
de um alumínio brilhante viraram sebentas também. Durante quatro anos na Patrulha
só uma vez precisamos de um facão. O nosso já velho e alquebrado serviu para
pagar um almoço lá prús lados de Bom Jesus, cansados de uma jornada e mortos de
fome sem tutu, o dono do restaurante beira da estrada Rio Bahia topou a pé uma
troca de um prato feito pelo facão. Seu Belarmino do Curtume Santa Rita nos presenteou
com um novinho. Eita gente boa para doar...
- Mas a modernidade não
parou por aí. Quando nos meus dezessete anos fui fazer um Curso de Adestramento
Básico em 1959 conheci o Lampião a Gás vulgo Liquinho. Luz branca, clareia
longe e tudo ao redor. Parecia uma lâmpada de 220 w. Perguntei ao JF (João
Francisco) um dos membros da equipe se era caro. Ele com aquele estilo Bipidiano
de Chefe novo rico gritou o preço de uma vez só: - Duzentos reais! (em dinheiro
de hoje). E o gás? Se não tiver a venda na sua cidade é melhor usar lamparina!
Continuamos por muitos e muitos anos com o velho e amado lampião a querosene e
a lamparina sem capa de vidro. Fizemos com nossas próprias mãos uma carretinha.
As rodas foram doadas pelo Zé Sinfrônio que nos ajudou a fazer o eixo e o
mancal. Mais tarde vimos algumas com rodas de pneu de borracha, lindo demais. Sem
tutu para gastar, continuamos com a
nossa com rodas de madeira ripada com latas de marmelada e goiabada bem
desamassadas e pregadas no cume de cada roda.
- Todos nós tínhamos nosso
Vulcabrás. Bom para andar e bom para durar. Zeca filho do dono da Padaria um
dia perguntou ao Chefe Jessé se podia usar um quedes (Tênis) preto que comprou
na capital. Todos da tropa olharam para ele espantados. Não conheciam o tal
quedes. Usei Vulcabrás por muitos e muitos anos. Pedro Piaba um dia chegou com
um Canivete Suíço. Gente quanta coisa o tal canivete tinha. Tirava rolha,
tampinha, tinha serrotinho, cortador de unha, descascador de batatas e o
escambal. Fiquei pensando na limpeza com talco Johnson todos os dias para
inspeção. Na nossa tralha de corte tínhamos uma enxada pequena sem cabo e um
enxadão (fazíamos os cabos quando no campo de Patrulha). Quase não usávamos a
enxada e o enxadão. Ganhamos do Seu Norberto uma pequena lâmina com cabo que
servia para furar qualquer buraco na terra e fácil de carregar. Naquela época ninguém
conhecia o sisal, mas todos eram peritos em cipós, de qualquer qualidade.
- A cada dois ou cinco
anos, o Sexto Batalhão da Policia Militar de Minas gerais sediado em nossa
cidade desfazia de parte do seu material de sapa usado e doava a quem
precisasse. Chefe João Soldado terceiro sargento sempre estava na fila dos
pedintes e recebíamos barracas (duas lonas) mochilas de praça e oficiais,
material de corte e sapa, até mesmo vasilhame principalmente as canecas e
marmitas de campanha. Munir o maestro e intendente geral substituía nas
patrulhas aquelas que estivessem mais estragadas. Dificilmente comprávamos alguma
coisa. Nem mensalidade pagávamos. Cada Patrulha tinha sua Bandeira Nacional. A
nossa puída e nem sei quando conseguiram uma nova para substituir. Quando saímos
para acampar cada um ficava com uma banda da barraca (duas lonas) e no campo fazíamos
os espeques e varões necessários para armar. Não tinha taxa de acampamento.
Cada um levava de sua casa seu quinhão dependendo os dias acampados.
- Hoje tudo mudou. A
modernidade chegou. Tem mensalidade, taxa de acampamento, taxa de viagem e
coisa e tal. Dizem que nem bússola se usa mais. (saudades da nossa Silva e da
Prismática ganho do Professor Teobaldo do Colégio Santa Cecília). Dizem que um
tal de Smart Fone faz tudo. Previsão de tempo (quatro quadrinhas de tempo resolvia
tudo para nós), rumo, orientação para cozinhar, quem sabe faz também almoço e
jantar? Será que ele serve para pescar? Espantar uma cascavel, caçar um tatu,
pegar emprestado uns ovos de avestruz? Dedilhar um violão no fogo de conselho,
servir de jangada para uma estupenda travessia num rio caudaloso? Não sei,
dizem que os tempos são outros, deve ser, mas não é mais o meu tempo. Ele ficou
no passado e o presente está tudo mudado. Fala-se cada coisa, até palavrões nas
atividades escoteiras, não faltam meninos levar camisinha para o acampamento, o
sexo não mais importa pois ficar é um verbo comum adotado pelos ideólogos da
atualidade. Se não concorda te chamam de homofóbico. Aquela áurea de inocência daquele
olhar venturoso, do respeito ao próximo, de dizer sim senhor, de amar o vento dos
acampamentos, dos sonhos da descoberta e do amor à natureza, das noites
dormidas sob as estrelas acabou. Acabou? Me garantem que não. Mas são poucos como
eu sou. Saudosistas, execrados pelos modernos que dizem que o mundo mudou e os
escoteiro tem a obrigação de acompanhar!
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