O PRIMEIRO
FASCICULO PUBLICADO. SERÃO 20. ESPERO QUE GOSTEM
Padrões
de Acampamento
“Quem ao crepúsculo já sentiu o cheiro da
fumaça de lenha, quem já ouviu o crepitar do lenho ardendo, quem é rápido em
entender os ruídos da noite;... deixai-o seguir com os outros, pois os passos
dos jovens se volvem aos campos do desejo provado e do encanto reconhecido...”.
KIPLING
Já era noite alta e da fogueira restavam apenas algumas
brasas, que aqui e ali iam adormecendo. Algumas fagulhas ainda se arriscavam a
subir aos ‘céus’, mas lânguidas e serenas perdiam sua força e desapareciam na
escuridão. Alguns metros além, podíamos ouvir o piar da coruja no grande
carvalho frondoso e que a noite dava arrepios com sua figura fantasmagórica.
Bem próximo à lagoa de águas azuis naquela hora da noite, era apenas sombras
cinzentas e não permitia ver os sapos e rãs que coaxavam seus cantos
noturnos...
Até a melodia doce e suave da bica de água límpidas,
trinavam sons repicantes e intermitentes na audição de um velho mateiro. Em
volta daquele calor que aumentava a sensação da amizade existente, eu, o
“Velho” e dois chefes escoteiros e duas chefes femininas, uma delas casada com
um dos chefes, ainda respirávamos o sabor do ar fresco, vindo da pequena
floresta a sudoeste do acampamento.
O “Fogo do
Conselho” terminara há algum tempo e a alegria, as canções, o folclore das
tropas masculinas e femininas, ainda permaneciam como “fantasmas” amigos que
prometiam manter aceso pôr toda a eternidade o espírito que reinou naquela
“festa” de moças e rapazes, no seu mais puro e inocente lirismo. Uma tradição
de anos e anos naquela terra sagrada de “São Lourenço”. No semblante do
"Velho" se estampava toda a alegria de estar ali presente. O aroma
adocicado do seu cachimbo era um perfume doce e suave que se espalhava e
misturava com a pequena brisa que soprava vinda de todos os cantos dos pontos
cardeais conhecidos.
A presença do
"Velho" deu nova conotação ao acampamento. Três monitores e duas monitoras
foram a sua casa fazer o convite. A principio se mostrou surpreso, reservado e
se fez de rogado. Não quis aceitar. Ao
saber que era um convite dos jovens aceitou de pronto. Ao saber que seria nas
Terras de São Lourenço se animou mais ainda. E animou mais ainda quando viu que
teria a possibilidade de ver como acampam as meninas. Disse, entretanto que não
iria como turista. – “Quero ver os monitores fazerem o programa junto a suas
patrulhas”. Os jovens arregalaram os olhos de espanto e em silêncio sorriram
compreensivos. Eles já conheciam ao "Velho".
Foram vários dias
brilhantes de preparativos. Através da Vovó, soube dos arranjos do
"Velho", escolhendo e montando sua mochila que ainda remontava a
década de 40. Levou o que sempre levava aos acampamentos, mas que eram motivo
de especulação pôr parte de todos que o conheciam. Ate o famoso sabonete do
banho das “três e meia“ da manhã e que ficou famoso pôr onde acampou e até hoje
ninguém sabe o que é ele levou.
Quatro dias de
acampamento. Talvez uma de minhas maiores emoções e cuja recordação ficou
gravado para sempre em minha mente. Aconteceu de tudo e o "Velho"
sentiu-se orgulhoso em ver que os “Padrões de acampamento” ainda eram mantidos
naquele Grupo Escoteiro. No primeiro dia, o corre-corre da saída, um ou dois
atrasados (o “Velho” não aceitava isto) a alegria das canções entre os
escoteiros e escoteiras tudo isto fez o "Velho" entrar naquele jogo
divertido. Não havia alegria maior que vê-lo cantando as velhas canções e
principalmente aquela do “Velho Olmeiro”, recordações saudosas de um
acampamento no Canadá.
A chegada, a
orientação aos monitores, à escolha do campo pelos próprios, tudo isto era
ponto de honra para o "Velho". O acampamento é dos jovens e nós
adultos somos intrusos. É bom saberem disto, dizia para os Escotistas. Aqui e
ali ele observava a movimentação e principalmente o material de “Sapa”, todos
eles oleados e afiados. O uso pelos jovens o envaideceu mais ainda.
Quando dois
escoteiros passaram próximo ao campo da chefia, ele largou a construção da sua
famosa “Poltrona de Astronauta” (conhecida pôr todos que acamparam com ele) e
ficou observando como carregavam o facão e o machado do lenhador. - Muito bom,
muito bem, resmungava baixinho. Notou que os Escotistas e também as Escotistas
estavam bem adestrados. No campo da chefia, sabiam dar um “volta do salteador”
um nó de frade ou arnês bem apertado com destreza. Uma amarra paralela ou
diagonal tinha o acabamento de um velho mateiro. A Amarra para tripé simples
não deixava a desejar. Até mesmo, a costura de arremate na tampa da mesa
central mereceu um elogio do "Velho", o que deixou a todos
embevecidos.
A chefia respeitava
o campo de patrulha não invadindo desnecessariamente. A instrução era feita aos
monitores e sempre se usava a “trombeta” e ela não era usada indevidamente. (O “Velho”
reclamava quando chamavam mais de 6 a 8 vezes pôr dia) - Isso - dizia, é para “pata-tenras”. Quem fala muito e dá
muitas instruções, perde o tempo dele e dos jovens. Fazer fazendo, esta é a
maneira certa!
Elogiou quando os
jovens saiam do campo de patrulhas, sempre em duplas e nunca só. O que mais
gostou foi da independência das patrulhas e que quando convidados a
participarem das refeições nos campos, os Escotistas só aceitavam quando
estavam “tirando” alguma prova. E olhe que se pudessem, delegavam poderes a
algum escoteiro 1a classe.
Na primeira noite,
após um jogo noturno “bem bolado”, tiveram tempo para fazer um chá quente e a
“Corte de Honra” foi realizada sem avançar no horário. Notou que o mínimo de 8
horas para o recolher e a alvorada eram ali respeitados. - A “Corte de Honra” estava muito tensa, -
falou o "Velho" durante a realização da “Conversa ao pé do fogo”,
realizada somente com os Escotistas. Deixem os monitores mais a vontade. O
padrão de eficiência a ser exigido na primeira inspeção e avisado anteriormente
aos monitores podem e devem ser aumentados. É necessário que eles saibam que a
higiene, a limpeza e a apresentação não tem lugar e hora. O bom escoteiro é
aquele que sabe se manter digno em qualquer situação e nos estamos aqui para
adestrá-los, terminou. Os chefes não retrucaram. Aceitavam o "Velho"
como ele era.
No segundo dia, fez
questão de orientar os Escotistas antes da inspeção da manhã, impreterivelmente
às 9 horas. Comentou sobre as funções de cada um, o que devia ser exigido e
olhado e não ver somente o lado negativo. A Patrulha deve ser elogiada pôr tudo
aquilo que merecer, mesmo que não consiga a classificação estipulada em
"Corte de Honra". Comentários de erros e defeitos podem ser falados,
mas sem exageros. Nunca tomar atitudes individuais ou coletivas que podem dar a
interpretação de humilhação. Falou também da contagem de pontos, começando com
a nota mais alta e diminuindo se fosse o caso.
E assim o
"Velho" foi participando, orientando, falando e agindo. Não parava.
Sempre com um sisal, um cipó e sempre fazendo suas pioneirias, mantinham
aqueles olhos miúdos e azuis a perscrutarem o horizonte em busca de alguma
coisa o que me fazia pensar no tempo em que ele acampava.
Um fato
desconcertante aconteceu no terceiro dia. Após o almoço e uma inspeção
surpresa, quando da chamada geral uma patrulha não se apresentou (era rotina apresentarem-se
completos). Faltava um escoteiro. Procura daqui, procura dali e nada. Foi dado
o “Alerta Geral”. As buscas foram intensas. Um raio de mais de 5 km foram
abrangidos.
Quase 16:30 hs e nada. O "Velho" continuava a
fazer uma e outra pioneiria, sem demonstrar o menor interesse nas buscas e no
motivo desta. Não dava a mínima pelo que estava acontecendo. Deslanchando seu
corpo magro num bater de ossos, sentou em sua “poltrona do astronauta”, e
tomando um cafezinho quente (detestava chá) feito na hora pôr ele mesmo sem
usar o coador (testando a clara de um ovo), já se preparava para encher o
fornilho do seu “cachimbo”, quando gritei com ele com os nervos a flor da pele:
- “Diabos”! Todo mundo ajuda e você fica ai parado como
se nada estivesse acontecendo? Deus do céu! - Onde esta sua responsabilidade? -
Explodi. Ele riscou o fósforo, me olhou, deu sua primeira baforada e na maior
calma do mundo olhou uma barraca ao longe da patrulha Touro e falou -: A
primeira coisa a fazer depois do almoço é procurar dentro das barracas, quem
sabe ele não esta dormindo? - Tremendo, lá fui eu e encontrei o “danado”
roncando. Cessou as buscas. A calma voltou ao campo.
Durante o jantar
feito naquele dia pelo "Velho" e que pôr sinal estava excelente (a
chefia tinha campo próprio e ali desenvolvia todas as suas necessidades),
perguntei ao “velho” como sabia e porque não tinha falado nada. - “Eu?
respondeu, - eu não sabia de nada”. Só que é muito comum após o almoço, um ou
outro jovem mais novo na tropa tirar uma “soneca” e que pode causar um reboliço
destes. - E porque não falou, - perguntei novamente. - “A arte no escotismo “é
aprender a fazer fazendo”“. Nas buscas o aprendizado foi melhor que o jogo
programado. E cá pra nós, que foi divertido foi e com que realismo! - É o
"Velho". Só ele mesmo.
No Fogo do
Conselho, cantamos com o ele canções nunca ouvidas. Das montanhas geladas dos
Alpes Suíços, as velhas canções dos caçadores de pele dos grandes lagos do
Canadá. Cantamos também canções inglesas e escocesas, sem faltar as
tradicionais do nosso querido país. O Quebra Coco teve que ser interrompido lá pelas
tantas. Ele gostou também do desarme do campo. Rápido e simples. Participou da
inspeção final e verificou que o campo foi deixado quase como encontrado. Ficou
satisfeito e até elogiou as chefias -: Parabéns, vocês conseguiram treinar e
adestrar bem toda a tropa. Isto é o que importante. Como diz o antigo ditado, -
Se vai para o mar, avie-te em terra.
Valeu mesmo o acampamento com o
"Velho". Nunca mais irei esquecer.
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