Segundo fascículo
Programando o programa
A Reunião de
chefes da tropa Escoteira Masculina e Feminina já havia começado há algum
tempo. Toda primeira quarta feira na segunda quinzena do mês. Era uma rotina.
Algumas vezes “gostosa” outras vezes macete. Já tinha ouvido de alguém que,
participar do movimento não era difícil, pois bastava dar de duas a quatro
horas pôr semana do seu tempo. Ledo engano. Não seria possível a ninguém
somente com este tempo fazer alguma coisa numa sessão escoteira. Hoje, já
passados nove anos que participo, cheguei à conclusão que com menos de oito
horas pôr semana é uma utopia a colaboração. É impossível. Isto sem contar as
horas de acampamento e outras atividades extra sede.
Acredito, no entanto que alguém com mais
experiência possa fazer com menor tempo o que eu não consigo. Se não vejamos: Um dia na semana, mínimo de 4 horas na reunião
de sede com a tropa. Domingo sempre tem alguém na minha casa ou eu vou à casa
de alguém para “fazer” escotismo. Terça vou as sede, pois sou instrutor de
especialidades, ou conversar com monitores. Uma quinta pôr mês é a reunião de
chefes. Terça folgo para na sexta voltar e tentar colaborar na parte
burocrática da tropa, e é claro, participar da “choupada” dos chefes no fim de
semana.
Isto sem contar as reuniões de chefes do
Grupo, reunião do Distrito ou atividades de pais e correlatas. Ufa, difícil
para eu manter um ritmo, sem esquecer cursos, atividades regionais e nacionais.
O chefe da 1ª tropa estava comentando a ultima Reunião de Monitores, quando
estes deram diversas sugestões para as reuniões do trimestre. Um assistente
achou as ideias muito infantis. Eu ouvia e quase não falava, pois a semana
tinha sido difícil no meu emprego e cansado só esperava o termino para ir
embora descansar.
Meus olhos insistiam em fechar e eu lutava
para mantê-los abertos. Outro assistente insistia que nossa programação não
estava atingindo o objetivo. Tínhamos que programar a curto, médio e longo
prazo. Cada programa teria que atingir a cada jovem da tropa e o seu
desenvolvimento teria que ser criativo, pois caso contrário, alguns poderiam se
adestrar rapidamente e outros não acompanhariam.
-Vejam bem dizia o assistente - No ultimo
Processo de Lis de Ouro, tivemos dificuldades. Varias especialidades foram rejeitadas
devidas não satisfazerem o tempo determinado entre uma e outra conforme o POR.
Os assistentes regionais e nacionais parecem não fazer outra coisa senão
procurar erros finalizou. Começou a discussão de novo, pensei. Meu cochilo
prolongava noite adentro e torcia pelo fim da reunião. Minha mente brigava
entre dormir e programar o programa. E ainda me diziam que bastava duas horas
pôr semana!
Um burburinho tomou conta da sala. Eis que
adentrou nada mais nada menos que o “Velho” com sua pose favorita de deixar que
os outros o admirem sem falar nada. Na boca o inseparável cachimbo. Nos olhos,
um sorriso infantil. Na testa, mechas do cabelo branco cismavam em embaralhar a
visão. Acordei de pronto. Milagre pensei. O “Velho” aqui? Pelo que sabia, havia
mais de dois anos que não comparecia em reuniões noturnas.
Educadamente pediu se podia sentar e ouvir. -
Claro, disseram todos se levantando. A sala começou a ter mais penetras e a
modorrenta reunião se transformou em segundos. Ninguém falava, e olhando para o
“Velho” esperavam dele o sinal para continuar a reunião. O “Velho" soltava
baforadas em seu cachimbo e como sempre empesteava a sala de fumaça do odor
achocolatado.
O Chefe da Tropa meio sem jeito pediu licença
e continuou a reunião explicando para o “Velho” onde estavam. Ele balançou a
cabeça e continuou calado. Alguns assistentes querendo mostrar o que aprenderam
(eram jovens e iniciantes) começaram a falar e discutir acaloradamente. Era o
que o “Velho” queria, pensei. Não passara 5 minutos e contei mais de 10 pessoas
na sala. Só mesmo o “Velho” para isto.
Na tropa tínhamos reuniões em que não eram
permitidos outros participantes, mas em algumas, não fazíamos questão da presença,
só que a opinião serviria apenas como sugestão. - Vamos fazer o seguinte, - propôs
um deles. Faremos o esboço de todas as reuniões do trimestre, cada assistente
terá cinco fichas de escoteiros em mãos, e vendo o que cada um precisa montamos
o adestramento progressivo! Falou orgulhoso.
O "Velho" nem piscou. Fechou os
olhos e fingindo dormitar, deixou o cachimbo pendurado na boca e respirava
lentamente. Foi uma discussão de primeira. Todos davam opinião, falavam ao
mesmo tempo e a discussão acalorada a principio foi esmorecendo, esmorecendo,
pois o “Velho” não participava e o interesse caia. Só mesmos eles para acharem
isto. Eu sabia perfeitamente que ele participava e gravava cada palavra do que
acontecia.
Lá pelas tantas, cansados, foram feitos três
programas. E era para fazer 12. O “Velho” tremeu na cadeira. Ninguém prestou
atenção.
- E a tropa não vai ser ouvida? - disse ele.
Foi uma bomba na sala. Ninguém entendeu. - Ouvir como? - disse o Chefe da
Tropa. - Como? Repetiu o “velho”. -
Opinando é claro. São eles os
interessados. - Mas “Velho” os monitores já deram sua opinião. - Falou o
assistente. - Que opinião deram que não ouvi! - Disse o “Velho”. Ficaram meio
sem jeitos e calados. Se me permitem, gostaria de dar uma pequena sugestão -
disse o “Velho”. Lá vem “bomba” pensei eu.
- Programa é importante. Não se faz nada sem
ele. - Disse o “Velho”. Mas é preciso atingir o objetivo a que se propõe. Esta
historia de curto, médio e longo prazo é muito bonito, mas de difícil execução.
Claro, pode e deve ser feito. A Patrulha é responsável para isto. Vocês só
devem acompanhá-los. Quando se quer fazer tudo para todos com voluntários é
impossível. Se vocês fossem profissionais escoteiros e estivessem à disposição
do movimento todo o tempo, ainda vá lá, apesar de que o Escotismo não quer e
nem precisa disso. E olhem que não foi
isso que BP pensou ao organizar as bases do Movimento Escoteiro.
- Profissionalismo só em casos específicos e
nunca para a chefia. Esta em principio deve ser espontânea e objetiva,
praticada pôr rapazes advindos do movimento ou mesmo pais atuando inicialmente
como assistentes. Os rapazes sabem bem disto, pois foram beneficiados ou com
bons programas ou com programas ruins dependendo a tropa que pertenceram. Dois
assistentes torceram a cara. Eram pais e tinham pouco tempo de movimento.
- Mas disse o “Velho”, os novos são
bem-vindos, desde que desejem aprender e colaborar até terem sido bem
adestrados. O “Velho” era didático e eu não sabia deste “seu” outro lado.
Ninguém retrucava. Ali estavam dois insígnias da Madeira e os demais tinham
Cursos Básicos além de cursos alternativos.
O “Velho” continuou. - “É difícil quando a
tropa já segue uma rotina não opinativa adaptar uma participação ativa”. Mas é
preciso insistir até que eles aprendam. Tudo fica mais fácil quando ensinamos a
eles pescar, em vez de pescar nós mesmos achando que estamos ensinando. Não
compliquem o programa. Não somos profissionais e mesmo se fossemos não é isso
que pretendemos. Basta o “feijão com arroz” e chegaremos lá.
- A experiência tem demonstrado que rapazes
que participaram do escotismo fazendo seus próprios programas são os que mais
permanecem no movimento. Uma reunião de patrulha, uma de monitores, 15 a 20
minutos para cada uma e garanto um ou dois programas bons! - para eles é claro.
Aos chefes, bastam acertar horários, alguns itens surpresas e adaptar a rolagem
da programação.
- Vocês já chegaram à conclusão que estão
tendo muito tempo de suas vidas particulares tomada com reuniões e mais
reuniões. São válidas, mas desde que moderadas. Afinal somos um movimento de
fim de semana e não semanal. Deixem que seus escoteiros e monitores programem
para eles mesmos e aguardem o resultado. Deem a eles o que eles querem. Aos
poucos e com tempo, suas tropas terão padrões nunca antes alcançados e
principalmente a evasão vai diminuir consideravelmente.
- Quanto ao Adestramento Progressivo, é papel
do monitor! - É ele quem vai ver as necessidades de cada um. A Tropa tem além
dele, o Sub. e tenho certeza, outros escoteiros que possuem adestramento para
colaborar. Vocês chefes, devem estar sempre ao par, para evitar atrasos no
adestramento ou mesmo se algum outro jovem não conseguir acompanhar. Esta é a
principal função. Manter a rotina saindo da rotina! - Motivando os monitores
através de Eficiência Especiais a cada adestramento alcançado pôr algum
Escoteiro e que orgulhosamente usarão no bastão totem.
- O Conselho de Patrulha tem uma excelente
base para fazer isso. - Esqueçam que vocês são adultos! - se coloquem no lugar
deles, afinal fora do Escotismo, eles estão sempre criando e fazendo seus programas
com os amigos do bairro. Reuniões de patrulha são excelentes meios para
adestramento.
- Agora, cabe a vocês o desenvolvimento,
acompanhamento e até o adestramento dos monitores. Tenho certeza que a tropa de
vocês é de ótima qualidade. Mas o importante em tudo e gosto de repetir sempre,
é o resultado final! - Tudo que vocês estão fazendo tem um objetivo: - A
formação dos jovens. Assim o resultado pode ser avaliado se deu ou não certo. -
Gostei muito da reunião de vocês! - Se todas as tropas tivessem chefes
preocupados com o método Escoteiro como vocês estão nosso Movimento teria outra
qualidade.
E
olhem bem - continuou o “velho”, se encontrarem o Chefe do Grupo, digam para
ele que estive aqui e mando um forte abraço e para vocês, “Sempre Alerta!“-
Rodopiou na cadeira e saiu sem maiores explicações. A Sala ficou muda como muda
estava. Eu não me surpreendi. Já conhecia o “Velho" de longa data. Suas
opiniões bateram fundo em todos. Alegrou-me bastante, pois meu sono acabou e
acreditei que dali para frente, as reuniões de chefia em dias de semana seriam
moderadas. Obrigado “velho” você ajudou bastante aos escoteiros, mas não sabe a
ajuda que me prestou.
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