Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

domingo, 10 de junho de 2012

Meu amigo João Peçanha – o famoso Chefe Borboleta



Meu amigo João Peçanha – o famoso Chefe Borboleta

O nome dele era João Peçanha. Nós o chamávamos de Chefe Borboleta. Nada de eufemismo não. Também não tinha nada de afeminado. Não sei por que do apelido, mas era comum em nosso Grupo Escoteiro. Não perdoávamos ninguém. Um dia ele apareceu na sede com o livro do Velho Lobo na mão, O Guia do Escoteiro. Disse que tinha comprado de um amigo e que este ganhou de outro. Nada contra. Para nós naquela época era nossa Bíblia. Pediu para olhar nossas atividades e ali ele ficou por uns dois meses. Conseguiu conquistar amizades e eu mesmo tinha por ele enorme consideração.
Pelos meus cálculos, devia ter entre 28 e 30 anos. Era até simpático, mas se vestia pobremente (quando aceito como Escotista, demorou um bom tempo para adquirir o uniforme completo) Procurou-me um dia se podia participar. Disse-me que conhecia de cor e salteado tudo que o Velho Lobo escreveu no livro. Podia fazer os nós de olhos fechados e sabia todas as provas ali descritas. Eu nesta época era Escotista de tropa e “sapeava” nas horas vagas nos seniores. Sempre era convidado para suas atividades.
Conversei com o Chefe Batista, nosso Chefe de Grupo e ele que também ficou amigo do Chefe Borboleta concordou de pronto. Ficamos sabendo que ele tinha uma pequena oficina de conserto de bicicletas e morava com a mãe num bairro afastado. Foi uma grande surpresa. Na primeira atividade da tropa Sênior (onde ele foi como assistente) demonstrou um conhecimento que nos deixou boquiabertos. Nunca tínhamos visto nada igual, pois se declarara nunca ter sido escoteiro em sua vida.
Sabia como ninguém aplicar amarras, costuras de arremate, dar nós, mostrou-nos novas técnicas de armar barracas de duas lonas suspensas, sabia como construir pioneirias só com cipós, para nós todas novas, nadava como um peixe, nunca se cansava, era o primeiro a levantar (sempre cantando o Rataplã) e o último a se deitar. O que marcou mesmo o chefe Borboleta foi uma excursão de cinco dias feita nas férias de janeiro (lá pelos idos de 1959) onde iríamos percorrer aproximadamente 450 quilômetros entre ida e volta de bicicleta, por quatro cidades, sendo duas com atividades interessantes.
Na primeira delas soubemos por fonte não autorizada que existia um Grupo de Bandeirantes. Isto chamou a atenção dos seniores e eu também fiquei interessado. Nunca tínhamos visto uma bandeirante. Só de histórias e de algumas leituras aqui e ali. Na segunda era aniversário de um Grupo Escoteiro amigo de uma cidade localizada no Vale do Rio Doce.
No dia marcado partimos pelas cinco da matina. Borboleta foi conosco. Eu era um convidado da tropa Sênior. A primeira cidade ficava a uns 110 k, atrás de um pico famoso em nossa cidade e não conhecíamos o caminho. Não foi fácil. Só subida. Nestas, empurrávamos as bicicletas a pé. Éramos um total de 15 sendo 12 seniores e três chefes. Borboleta era o mais animado. Enquanto estávamos sem ar na subida, ele cantava a Arvore da Montanha a pleno pulmões. Alegre, prestativo e o nosso salvador quando alguma bicicleta dava defeito. Lembro-me como se fosse hoje que cruzamos com um jipe cheio de “capuchinhos” que nos benzeram com o sinal da cruz!
Chegamos por volta das nove da noite. Encontramos um pequeno campo de futebol e armamos as barracas. Ninguém por perto. Dormimos. Acreditamos serem todos pacíficos e não montamos guarda. Levantamos cedo. Lá pelas seis e meia. Surpresa. Uma enorme multidão fazia círculo em volta das barracas. O prefeito chegou pouco depois. Deu-nos as boas vindas. Não sabíamos como agir. Convidaram-nos para um almoço no Lions Club da cidade. E sabe quem praticamente nos chefiou? O meu amigo Chefe Borboleta. Ficou amigo do Prefeito, do Delegado, do Juiz e não sei de mais quem.
Na hora do almoço, apareceram as Bandeirantes, olhe meus amigos, um espetáculo sem igual. Eram mais de 150 moças. Nenhum chefe masculino. Ficamos embasbacados. Muitas de cair o queixo, lindas! Muito bem uniformizadas de blusa branca, saia azul e um lencinho dobrado no pescoço com um delicioso chapeuzinho azul. Os seniores perderam a voz! Nada diziam a não ser admirar o que nunca tinham visto.  Estavam formadas em fila de três, me parece por “batalhões”, como se fossem desfilar. Maravilha. Bandeirantes militares. Fizeram algumas evoluções ao som de uma fanfarra, muito boa por sinal e depois de algum tempo partiram em direção ao centro da cidade, marchando garbosas, sem dizerem adeus. Nenhuma delas. Não houve apresentação e assim como chegaram partiram.
Após o almoço perguntamos onde era a sede delas. Disseram-nos que era proibida a entrada. Mas insistimos e lá fomos. Não encontramos ninguém. Mesmo sendo uma cidade pequena, não vimos nenhuma de uniforme a passear pela rua. Sumiram! Não entendemos nada. Era ou não um núcleo de Bandeirantes? Ou era uma imitação fazendo a vez de jovens militares? Nunca tivemos a resposta.
Nada mais havia a fazer ali. Nosso programa era de partimos a tarde e assim foi feito. Anoiteceu e uma bela lua cheia iluminava a estrada. A estradinha de terra foi ótima. Só descida. Mais de quarenta quilômetros percorridos pela noite adentro. Foi aí que aconteceu a tragédia. Numa curva, em grande velocidade, levei um grande tombo, rolando pelo chão e terminando em uma cerca de arame farpado.
Dito e feito. Fratura na perna. Osso pontudo aparecendo. Uma dor incrível. Todos em volta assustados. Eu gemendo baixinho, mas querendo mostrar uma força que não tinha. Era impossível suportar, principalmente vendo o osso e o sangue que saía aos borbotões. Nesta hora conheci o verdadeiro Chefe Borboleta. Mandou-me esticar a perna e sem avisar mexeu com o osso e ele voltou para o lugar. Uma dor terrível. Gritei alto. Tirou seu lenço e pediu outros cinco. Amarrou forte em cima da fratura. Saiu e voltou com quatro pedaços de madeira. Amarrou em cima da sua atadura. A dor continuava. Colocou-me nas costas e partiu a pé. Os outros levaram minha bicicleta e a dele.
Chegamos numa fazenda e o proprietário foi muito gentil. Tinha uma pequena charrete e após colocar um cavalo nela, nos levou até a próxima cidade. Graças a Deus lá tinha um médico que sorriu e cumprimentou a todos com a mão esquerda. Disse ter sido escoteiro quando jovem. Ótimo. Engessou. Mas sabia que ali tinha terminado minha excursão. Voltei para casa no noturno da Vale do Rio Doce. Os outros partiram para o acampamento do grupo amigo. O Chefe Borboleta com eles.
Fiquei sabendo que foi uma grande atividade, O chefe Borboleta ficou no grupo por mais alguns anos. Soube depois que resolveu ir tentar a sorte em Serra Pelada, época do inicio da garimpagem de ouro e que estava atraindo muitos brasileiros. Nunca mais ouvimos falar dele. Quem sabe ele aparece um dia e conta suas aventuras na Amazônia? Nada dele é impossível de acontecer!

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